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domingo, 4 de novembro de 2012

Maio 1964...


Na leiteira a tarde se reparte

em iogurtes, coalhadas, copos

de leite

e no espelho meu rosto. São

quatro horas da tarde, em maio.


Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo

a vida

que é cheia de crianças, de flores

e mulheres, a vida,

esse direito de estar no mundo,

ter dois pés e mãos, uma cara

e a fome de tudo, a esperança.

Esse direito de todos

que nenhum ato

institucional ou constitucional

pode cassar ou legar.


Mas quantos amigos presos!

quantos em cárceres escuros

onde a tarde fede a urina e terror.

Há muitas famí­lias sem rumo esta tarde

nos subúrbios de ferro e gás

onde brinca irremida a infância da classe operária.


Estou aqui. O espelho

não guardará a marca deste rosto,

se simplesmente saio do lugar

ou se morro

se me matam.


Estou aqui e não estarei, um dia,

em parte alguma.

Que importa, pois?

A luta comum me acende o sangue

e me bate no peito

como o coice de uma lembrança...
.
.
.
Ferreira Gullar...

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