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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Saber Terminar uma Amizade Indesejável...


Sucede, também, como por calamidade, que algumas vezes

é necessário romper uma amizade: porque passo agora das

amizades dos sábios às ligações vulgares.

Muitas vezes quando os vícios se revelam num homem, os

seus amigos são as suas vítimas como todos os outros: contudo

é sobre eles que recai a vergonha.

É preciso, pois, desligar-se de tais amizades —, afrouxando o

laço pouco a pouco e, como ouvi dizer a Catão, é necessário

descoser antes que despedaçar, a menos que se não haja produzido

um escândalo de tal modo intolerável, que não fosse nem justo nem

honesto, nem mesmo possível, deixar de romper imediatamente.



Mas se o carácter e os gostos vierem a mudar, o que acontece

muitas vezes; se algum dissentimento político separar dois amigos

(não falo mais, repito-o, das amizades dos sábios, mas das afeições vulgares),

é preciso tomar cuidado em, desfazendo a amizade, não a substituir logo pelo ódio.

Nada mais vergonhoso, com efeito, que estar em guerra com

aquele que se amou por muito tempo.


Apliquemo-nos, pois, antes de tudo, em afastar toda a causa de ruptura:

se contudo, acontecer alguma, que a amizade pareça antes extinta do

que estrangulada.

Temamos sobretudo que ela não se transforme em ódio violento, que

traz sempre consigo as querelas, as injúrias, os ultrajes.

Por nós, suportemos esses ultrajes quanto forem suportáveis e

prestemos esta homenagem a uma antiga amizade, de modo que a

culpa caiba a quem os faz e não àquele que os sofre.

Mas o único meio de evitar e prevenir todos os aborrecimentos é

não dar a nossa afeição nem muito depressa, nem a pessoas que

não são dignas.


São dignos da nossa amizade aqueles que trazem

consigo os meios de se fazer amar.

Homens raros!

De resto, tudo que é bom é raro e nada é mais difícil

do que achar alguma coisa que seja em seu género perfeita em tudo.

Mas a maior parte dos homens não conhece nada de bom nas coisas

humanas senão o que lhes interessa e tratam seus amigos como aos

animais, estimando mais aqueles de quem esperam recolher mais proveito.

Também são eles privados dessa amizade tão bela e tão natural,

por si mesma tão desejável; e o seu coração não lhes faz compreender

qual é a natureza e a grandeza de tal sentimento.

Cada um ama-se a si mesmo, não para exigir prémio da sua própria

ternura, mas porque naturalmente a sua própria pessoa lhe é cara.

Se não existe alguma coisa de semelhante na amizade, não se achará

nunca um verdadeiro amigo; porque um amigo, é um outro nós mesmos.


Se se vê nos animais aprisionados ou selvagens, habitantes do ar,

da terra ou das águas, primeiro amarem-se a si mesmos

(porque este sentimento é inato em toda a criatura), em seguida

desejar e procurar seres da sua espécie, para se unir a eles

(e, nessa procura mostram um afã e um ardor que não deixa

de ser semelhante ao nosso amor), quanto mais essa dupla

inclinação na natureza do homem que se ama a si próprio e

que busca um outro homem, cuja alma se confunde de tal

modo com a sua que de duas não faça mais de que uma...
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Marcus Cícero...

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