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domingo, 18 de novembro de 2012

Cenário...(do Romanceiro da Inconfidência)...


Passei por essas plácidas colinas

e vi das nuvens, silencioso, o gado,

pascer nas solidões esmeraldinas.


Largos rios de corpo sossegado

dormiam sobre a tarde, imensamente,

e eram sonhos sem fim, de cada lado.


Entre nuvens, colinas e torrente,

uma angústia de amor estremecia

a deserta amplidão na minha frente.


Que vento, que cavalo, que bravia

saudade me arrastava a esse deserto,

me obrigava a adorar o que sofria?


Passei por entre as grutas negras, perto

dos arroios fanados, do cascalho

cujo ouro já foi todo descoberto.


As mesmas salas deram-me agasalho

onde a face brilhou de homens antigos,

iluminada por aflito orvalho.


De coração votado a iguais perigos,

vivendo as mesmas dores e esperanças,

a ovoz ouvi de amigos e inimigos.


Vencendo tempo, fértil em mudanças,

conversei com doçura as mesmas fontes,

e vi serem comuns nossas lembranças.


Da brenha tenebrosa aos curvos montes,

do quebrado almocafre aos anjos de ouro

que o céu sustém nos longos horizontes,


tudo me fala e entende do tesouro

arrancado a estas Minas enganosas,

com sangue sobre a espada, a cruz e o louro.


Tudo me fala e entendo: escuto as rosas

e os girassóis destes jardins, que um dia

foram terras e areias dolorosas,


por onde o passo da ambição rugia;

por onde se arrastava, esquartejado,

o mártir sem direito de agonia.


Escuto os alicerces que o passado

tingiu de incêndio: a voz dessas ruínas

de muros de ouro em fogo evaporado.


Altas capelas contam-me divinas

fábulas. Torres, santos e cruzeiros

apontam-me altitudes e neblinas.


Ó pontes sobre os córregos! ó vasta

desolação de ermas, estéreis serras

que o sol frequenta e a ventania gasta!


Rubras, cinéreas, tenebrosas terras

retalhadas por grandes golpes duros,

de infatigáveis, seculares guerras...


Tudo me chama: a porta, a escada, os muros,

as lajes sobre mortos ainda vivos,

dos seus próprios assuntos inseguros.


Assim viveram chefes e cativos,

um dia, neste campo, entrelaçados

na mesma dor, quiméricos e altivos.


E assim me acenam por todos os lados.

Porque a voz que tiveram ficou presa

na sentença dos homens e dos fados.


Cemitério das almas... - que tristeza

nutre as papulas de tão vaga essência?

(Tudo é sombra de sombras, com certeza...


O mundo, vaga e inábil aparência,

que se perde nas lápides escritas,

sem qualquer consistência ou consequência.


Vão-se as datas e as letras eruditas

na pedra e na alma, sob etéreos ventos,

em lúcidas venturas e desditas.


E são todas as coisas uns momentos

de perdulária fantasmagoria,

- jogo de fugas e aparecimentos.)


Das grotas de ouro à extrema escadaria,

por asas de memória e de saudade,

com o pó do chão meu sonho confundia.


Armado pó que finge eternidade,

lavra imagens de santos e profetas

cuja voz silenciosa nos persuade.


E recompunha as coisas incompletas:

figuras inocentes, vis, atrozes,

vigários, coronéis, ministros, poetas.


Retrocedem os tempos tão velozes,

que ultramarinos árcades pastores

falam de Ninfas e Metamorfoses.


E percebo os suspiros dos amores

quando por esses prados florescentes

se ergueram duros punhos agressores.


Aqui tiniram ferros de correntes;

pisaram por ali tristes cavalos.

E enamordos olhos refulgentes


- parado o coração por escutá-los -

prantearam nesse pânico de auroras

densas de brumas e gementes galos.


Isabéis, Dorotéias, Eliodoras,

ao longo desses vales, deses rios,

viram as suas mais douradas horas


em vasto furacão de desvarios

vacilar como em caules de altas velas

cálida luz de trêmulos pavios.


Minha sorte se inclina junto àquelas

vagas sombrias da triste madrugada,

fluidos perfis de donas e donzelas.


Tudo em redor é tanta coisa e é nada:

Nise, Anarda, Marília... - quem procuro?

Quem responde a essa póstuma chamada?


Que mensageiro chega, humilde e obscuro?

Que cartas se abrem? Quem reza ou pragueja?

Quem foge? Entre que sombras me aventuro?


Que soube cada santo em cada igreja?

A memória é também pálida e morta

sobre a qual nosso amor saudoso adeja.


O passado não abre a sua porta

e não pode entender a nossa pena.

Mas, nos campos sem fim que o sonho corta,


vejo uma forma no ar subir serena:

vaga forma, do tempo desprendida.

É a mão do Alferes, que de longe acena.


Eloquência da simples despedida:

"Adeus! que trabalhar vou para todos!..."

(Esse adeus estremece a minha vida)...
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Cecília Meireles...

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