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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Limitações do flerte...


Que fim levaram aquelas

que flertamos nos bares,

esquinas e aeroportos?

Não aquelas que levamos

ao restaurante, parques

e camas, mas aquelas tocadas

num leve aceno, de longe,

corpo fluindo e morrendo

na ponte aérea do instante.


Mas por que pensar nas distantes

que nem tocamos na mão ou fronte?

Preferimos jogar com a ausente?

É essa a nossa concreta fonte?

Como se vê, não adianta, não se aprende.

A gente aqui pensando nas que flertamos

de leve, em dois minutos intensos,

entre um sorriso e o gesto frustro,

enquanto, perto, pisamos brutos

o calcanhar da que está junto,

ou pulamos na jugular

da que nos cobre de frutos,

olhando por sobre os muros,

as que ondeiam seus bustos

sobre a linha do horizonte.


- Amar com os olhos é mais fácil

e anônimo? - É mais fútil? É declarar

por telefone, apenas com um fio

de voz que enrosca os corpos e mentes,

ou melhor, numa vaga prolação, sem dormente

ou trilho que leve o trem-passageiro

ao outro corpo-estação.


Mas como é vegetativo esse amar plantado,

esgalhando o olhar furtivamente. A isso,

prefiro carnívoras plantas que se abraçam

e num sufoco se esmigalham deixando ao chão

sementes em que piso, convertendo a morte havida

em refluir de raízes.

Flertar é texto-antigo, é bordar caligrafias

quando há guerras e telegramas. Flertar é prefácio

e eu quero logo desfolhar o livro. Flertar é usar binóculos

devastando camarotes oblíquos

quando o drama está no palco

- e em nossos corpos aflitos.


Amar assim tão voyeurista, é tão perverso

como amar só por carta, com a caneta em riste e triste,

é pior que conhecer estrela só na foto,

é apenas vê-la de luneta, correr atrás de um cometa.

É chamar a fêmea sem macho

na pradaria. É cear ante um retrato

e uma cadeira vazia em frente.


Isto de amar de longe, só com os olhos,

não é sequer ir à caça. É ir à exposição

de animal de raça. É ver decoração em loja,

olhar por trás da vitrina um feriado que passa.


É coisa de telegrafista ou coisa de mau amador

de rádio, ouvindo só os ruídos

do outro lado da antena e cama.


Não é tocar de ouvido partitura desconhecida,

o músico, nisso, é o contrário, vai mais fundo

pois pega com as mãos e arpeja

a música com os dedos.


E eu tenho essa mania de amar como o invasor

pulando os muros de Roma, como o astronauta

se acolchoando na câmara, como o casulo

se entre-tecendo no claro-e-escuro,

enfim, como a gavinha da barroca parreira

crescendo a sede das vinhas.


Um amar estabanado, como a criança quebrando

o delicado brinquedo e derramando a alma

dos bichos sobre o tapete do medo.


Comigo é assim:


ficar olhando não basta. Vou logo

precipitando borrasca e estrela.

Que se cuide o olhar alheio quando

olho com o corpo inteiro, porque alojo fácil,

peço café e pijama, e fico pastando

com esse olhar de boi manso

no breve espaço da cama...
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Affonso Romano de Sant'Anna...

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