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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Notícia da manhã...


Eu sei que todos a viram

e jamais a esquecerão.

Mas é possível que alguém,

denso de noite, estivesse

profundamente dormindo.

E aos dormidos - e também

aos que estavam muito longe

e não puderam chegar,

aos que estavam perto e perto

permaneceram sem vê-la;

aos moribundos nos catres,

e aos cegos de coração -

a todos que não a viram

contarei desta manhã

- manhã é céu derramado

é cristal de claridão -

que reinou, de leste a oeste,

de morro a mar - na cidade.


Pois dentro desta manhã

vou caminhando. E me vou

tão feliz como a criança

que me leva pela mão.

Não tenho nem faço rumo:

vou no rumo da manhã,

levado pelo menino

(ele conhece caminhos

e mundos melhor do que eu).



Amorosa e transparente,

esta é a sagrada manhã

que o céu inteiro derrama

sobre os campos, sobre as casas,

sobre os homens, sobre o mar.

Sua doce claridade

já se espalhou mansamente

por sobre todas as dores.

Já lavou a cidade. Agora,

vai lavando corações

(não o do menino; o meu,

que é cheio de escuridões).


Por verdadeira, a manhã

vai chamando outras manhãs

sempre radiosas que existem

(e às vezes tarde despontam

ou não despontam jamais)

dentro dos homens, das coisas:

na roupa estendida a corda,

nos navios chegando,

na torre das igrejas,

nos pregões dos peixeiros,

na serra circular dos operários,

nos olhos da moça que passa, tão bonitos!

A manhã está no chão, está nas palmeiras,

está no quintal dos subúrbios,

está nas avenidas centrais,

está nos terraços dos arranha-ceús.

Há muita, muita manhã

no menino; e um pouco em mim.)


A beleza mensageira

desta radiosa manhã

não se resguardou no céu

nem ficou apenas no espaço,

feita de sol e de vento,

sobrepairando a cidade.

Não: a manhã se deu ao povo.


A manhã é geral.


As árvores da rua,

a réstia do mar,

as janelas abertas,

o pão esquecido no degrau,

as mulheres voltando da feira,

os vestidos coloridos,

o casal de velhos rindo na calçada,

o homem que passa com cara de sono,

a provisão de hortaliças,

o negro na bicicleta.

o barulho do bonde,

os passarinhos namorando

- ah! pois todas essas coisas

que minha ternura encontra

num pedacinho de rua

dão eterno testemunho

da amada manhã que avança

e de passagem derrama

aqui uma alegria,

ali entrega uma frase

(como o dia está bonito!)

à mulher que abre a janela,

além deixa uma esperança,

mais além uma coragem,

e além, aqui e ali

pelo campo e pela serra,

aos mendigos e aos sovinas,

aos marinheiros, aos tímidos,

aos desgarrados, aos prósperos,

aos solitários, aos mansos,

às velhas virgens, às puras

e às doidivanas também,

a manhã vai derramando,

uma alegria de viver,

vai derramando um perdão,

vai derramando uma vontade de cantar.

E de repente a manhã

- manhã é céu derramado,

é claridão, claridão -

foi transformando a cidade

numa praça imensa praça,

e dentro da praça o povo

o povo inteiro cantando,

dentro do povo o menino

me levando pela mão...
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Thiago de Mello...

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