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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Mensagem à poesia...


Não posso

Não é possível

Digam-lhe que é totalmente impossível

Agora não pode ser

É impossível

Não posso.


Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao

seu encontro.

Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar

Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo

Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte

do mundo

E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo

A saudade de seus homens: contem-lhe que há um vácuo

Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema: contem-lhe

Que a vergonha, a desonra, o suicídio, rondam os lares, e é

preciso reconquistar a vida

Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os

caminhos

Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso

Ponderem-lhe com cuidado - não a magoem... que se não vou

Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num

cárcere

Há um lavrador que foi agredido, há uma poça de sangue numa

praça.

Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus

Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem

Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens

E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto

Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento aos

Homens perplexos; digam-lhe que me foi dada

A terrível participação, e que possivelmente

Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias

Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.

Se ela não compreender, oh, procurem convencê-la

Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe

Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me

Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado

Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento

Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado

Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa

estrada

Junto a um cadáver de mãe; digam-lhe que há

Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem

Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia

Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande

Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações

Há fantasmas que me visitam de noite

E que me cumpre receber; contem a ela da minha certeza

No amanhã

Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite

Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso

Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora

Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde

De ter de abandoná-la neste instante, em sua incomensurável

Solidão: peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale

Por um momento, que não me chame

Porque não posso ir

Não posso ir

Não posso.


Mas não a traí. Em meu coração

Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa

Envergonhá-la. A minha ausência

É também um sortilégio

Do seu amor por mim. Vivo do desejo de revê-la

Num mundo em paz: Minha paixão de homem

Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha

Loucura resta comigo. Talvez eu deva

Morrer sem vê-la mais, sem sentir mais

O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr

Livre e nua nas praias e nos céus

E nas ruas da minha insônia. Digam-lhe que é esse

O meu martírio; que às vezes

Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas

Forças da tragédia abatem-se sobre mim, e me impelem para a treva

Mas que eu devo resistir, que é preciso...

Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência

Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática

Num amor cheio de renúncia. Oh, peçam a ela

Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo

A que foi dado se perder de amor pelo seu semelhante

A que foi dado se perder de amor por uma pequena casa

Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho

A quem foi dado se perder de amor pelo direito

De todos terem uma pequena casa, um jardim de frente

E uma menininha de vermelho; e se perdendo

Ser-lhe doce perder-se...

Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível

Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame

Que me espere, porque sou eu, apenas seu; mas que agora

É mais forte do que eu, não posso ir,

Não é possível

Me é totalmente impossível

Não pode ser não

É impossível

Não posso...
.
.
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Vinícius de Moraes...

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