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sábado, 30 de junho de 2012

Invocação à mulher amada...



Tu, pássaro – mulher de leite!

Tu que carregas as lívidas glândulas do amor acima do sexo infinito

Tu, que perpetuas o desespero humano

– alma desolada da noite sobre o frio das águas

– tu Tédio escuro, mal da vida

– fonte! jamais... jamais... (que o poema receba as minhas lágrimas!...)

Dei-te um mistério: um ídolo, uma catedral, uma prece são

menos reais que três partes sangrentas do meu coração em martírio

E hoje meu corpo nu estilhaça os espelhos e o mal

está em mim e a minha carne é aguda

E eu trago crucificadas mil mulheres cuja santidade

dependeria apenas de um gesto teu sobre o espaço em harmonia.

Pobre eu! sinto-me tão tu mesma, meu belo cisne, minha bela, bela garça, fêmea

Feita de diamantes e cuja postura lembra um templo

adormecido numa velha madrugada de lua...

A minha ascendência de heróis: assassinos, ladrões, estupradores, onanistas

– negações do bem: o Antigo Testamento! – a minha descendência

De poetas: puros, selvagens, líricos, inocentes:

O Novo Testamento afirmações do bem: dúvida

(Dúvida mais fácil que a fé, mais transigente que a

esperança, mais oporturna que a caridade

Dúvida, madrasta do gênio) – tudo, tudo se esboroa ante a visão

do teu ventre púbere, alma do Pai, coração do Filho, carne do

Santo Espírito, amém!

Tu, criança! cujo olhar faz crescer os brotos dos sulcos da terra

– perpetuação do êxtase

Criatura, mais que nenhuma outra, porque nasceste

fecundada pelos astros – mulher! tu que deitas o teu sangue

Quando os lobos uivam e as sereias desacordadas se

amontoam pelas praias – mulher!

Mulher que eu amo, criança que amo, ser ignorado,

essência perdida num ar de inverno.

Não me deixes morrer!... eu, homem – fruto da terra

 – eu, homem – fruto da carne

Eu que carrego o peso da tara e me rejubilo, eu que carrego

os sinos do sêmen que se rejubilam à carne

Eu que sou um grito perdido no primeiro vazio à procura

de um Deus que é o vazio ele mesmo!

Não me deixes partir... – as viagens remontam à vida!...

e por que eu partiria se és a vida, se há em ti a viagem muito pura.

A viagem do amor que não volta, a que me faz

sonhar do mais fundo da minha poesia

Com uma grande extensão de corpo e alma

– uma montanha imensa e desdobrada – por onde eu iria caminhando

Até o âmago e iria e beberia da fonte mais doce e me

enlanguesceria e dormiria eternamente como uma múmia egípcia

No invólucro da Natureza que és tu mesma, coberto da tua

pele que é a minha própria – oh mulher, espécie adorável da poesia eterna!...
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Vinicius de Moraes...

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