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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Com o russo em Berlim...



Esperei (tanta espera), mas agora,

nem cansaço nem dor. Estou tranquilo,

Um dia chegarei, ponta de lança,

com o russo em Berlim.


O tempo que esperei não foi em vão.

Na rua, no telhado. Espera em casa.

No curral; na oficina:um dia entrar

com o russo emBerlim.


Minha boca fechada se crispava.

Ai tempo de ódio e mãos descompassadas.

Como lutar, sem armas, penetrando

com o russo em Berlim?


Só palavras a dar, só pensamentos

ou nem isso: calados num café,

graves, lendo o jornal. Oh, tão melhor

com o russo em Berlim.


Pois também a palavra era proibida.

As bocas não diziam. Só os olhos

no retrato, no mapa. Só os olhos

com o russo em Berlim.


Eu esperei com esperança fria,

calei meu sentimento e ele ressurge

pisado de cavalos e de rádios

com o russo em Berlim.


Eu esperei na China e em todo canto,

em Paris, em Tobruc e nas Ardenas

para chegar, de um ponto em Stalingrado,

com o russo em Berlim.


Cidades que perdi, horas queimando

na pele e na visão: meus homens mortos,

colheita devastada, que ressurge

com o russo em Berlim.


O campo, o campo, sobretudo o campo

espalhado no mundo: prisioneiros

entre cordas e moscas; desfazendo-se

com o russo em Berlim.


Nas camadas marítimas, os peixes

me devorando; e a carga se perdendo,

a carga mais preciosa: para entrar

com o russo em Berlim.


Essa batalha no ar, que me traspassa

(mas estou no cinema,e tão pequeno

e volto triste à casa; por que não

com o russo em Berlim?).


Muitos de mim saíram pelo mar.

Em mim o que é melhor está lutando.

Possa também chegar, recompensado,

com o russo em Berlim.


Mas que não pare aí. Não chega o termo.

Um vento varre o mundo, varre a vida.

Este vento que passa, irretratável,

com o russo em Berlim.


Olha a esperança à frente dos exércitos,

olha a certeza. Nunca assim tão forte.

Nós que tanto esperamos, nós a temos

com o russo em Berlim.


Uma cidade existe poderosa

a conquistar. E não cairá tão cedo.

Colar de chamas forma-se a enlaçá-la,

com o russo em Berlim.


Uma cidade atroz, ventre metálico

pernas de escravos, boca de negócio,

ajuntamento estúpido, já treme

com o russo em Berlim.


Esta cidade oculta em mil cidades,

trabalhadores do mundo, reuni-vos

para esmagá-la, vós que penetrais

com o russo em Berlim...
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Carlos Drummond de Andrade...

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