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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Do desejo...


I

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.

Antes, o cotidiano era um pensar alturas

Buscando Aquele Outro decantado

Surdo à minha humana ladradura.

Visgo e suor, pois nunca se faziam.

Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo

Tomas-me o corpo. E que descanso me dás

Depois das lidas. Sonhei penhascos

Quando havia o jardim aqui ao lado,

Pensei subidas onde não havia rastros.

Extasiada, fodo contigo

Ao invés de ganir diante do Nada.

II

Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.

Que desenhos e rictus na tua cara.

Como os frisos veementes dos tapetes antigos.

Que sombrio te tornas se repito

O sinuoso caminho que persigo: um desejo

Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.

E que escura me faço se abocanhas de mim

Palavras e resíduos. Me vêm fomes

Agonias de grande espessuras, embaçadas luas

Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.

Cordura.

Crueldade.

III

Colada à tua boca a minha desordem.

O meu vasto querer.

O incompossível se fazendo ordem.

Colada a tua boca, mas descomedida

Árdua

Construtor de ilusões examino-te sôfrega

Como se fosses morrer colado à minha boca.

Como se fosse nascer

E tu fosses o dia magnânimo

Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.

IV

Se eu disser que vi um pássaro

Sobre o teu sexo, deverias crer?

E se não for verdade, em nada mudará o Universo.

Se eu disser que o desejo é Eternidade

Porque o instante arde interminável

Deverias crer? E se não for verdade

Tantos o disseram que talvez possa ser.

No desejo nos vêm sofomanias, adornos

Inpudência, pejo. E agora digo que há um pássaro

Voando sobre o Tejo. Por que não posso

Pontilhar de inocência e poesia

Ossos, sangue, carne, o agora

E tudo isso em nós que se fará disforme?

V

Existe a noite, e existe o breu.

Noite é o velado coração de Deus

Esse que por pudor não mais procuro.

Breu é quando tu te afastas ou dizes

Que viajas, e um sol de gelo

Petrifica-me a cara e desobriga-me

De fidelidade e de conjura. O desejo

Este da carne, a mim não me faz medo.

Assim como me veio, também não me avassala.

Sabes por quê? Lutei com Aquele.

E dele também não fui lacaia...
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Hilda Hilst...

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