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domingo, 7 de outubro de 2012

Canção do berço...


O amor não tem importância.

No tempo de você, criança,

uma simples gota de óleo

povoará o mundo por inoculação,

e o espasmo

(longo demais para ser feliz)

não mais dissolverá as nossas carnes.


Mas também a carne não tem importância.

E doer, gozar, o próprio cântico afinal é indiferente.

Quinhentos mil chineses mortos,

trezentos corpos de namorados sobre a via férrea

e o trem que passa, como um discurso, irreparável:

tudo acontece, menina,

e não é importante, menina,

e nada fica nos teus olhos.


Também a vida é sem importância.

Os homens não me repetem

nem me prolongo até eles.

A vida é tênue, tênue.

O grito mais alto ainda é suspiro,

os oceanos calaram-se há muito.

Em tua boca, menina,

ficou o gosto do leite?

ficará o gosto de álcool?


Os beijos não são importantes.

No teu tempo nem haverá beijos.

Os lábios serão metálicos,

civil, e mais nada, será o amor

dos indivíduos perdidos na massa

e só uma estrela

guardará o reflexo

do mundo esvaído

(aliás sem importância)...
.
.
.
Carlos Drummond de Andrade...

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