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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Serradura...


A minha vida sentou-se

E não há quem a levante,

Que desde o Poente ao Levante

A minha vida fartou-se.


E ei-la, a mona, lá está,

Estendida, a perna traçada,

No indindável sofá

Da minha Alma estofada.


Pois é assim: a minh'Alma

Outrora a sonhar de Rússias,

Espapaçou-se de calma,

E hoje sonha só pelúcias.


Vai aos Cafés, pede um bock,

Lê o "Matin" de castigo,

E não há nenhum remoque

Que a regresse ao Oiro antigo:


Dentro de mim é um fardo

Que não pesa, mas que maça:

O zumbido dum moscardo,

Ou comichão que não passa.


Folhetim da "Capital"

Pelo nosso Júlio Dantas —

Ou qualquer coisa entre tantas

Duma antipatia igual…


O raio já bebe vinho,

Coisa que nunca fazia,

E fuma o seu cigarrinho

Em plena burocracia!…


Qualquer dia, pela certa,

Quando eu mal me precate,

É capaz dum disparate,

Se encontra a porta aberta…


Isto assim não pode ser…

Mas como achar um remédio?

— Pra acabar este intermédio

Lembrei-me de endoidecer:


O que era fácil — partindo

Os móveis do meu hotel,

Ou para a rua saindo

De barrete de papel


A gritar "Viva a Alemanha"…

Mas a minh' Alma, em verdade,

Não merece tal façanha,

Tal prova de lealdade…


Vou deixá-la — decidido —

No lavabo dum Café,

Como um anel esquecido.

É um fim mais raffiné...
.
.
.
Mário de Sá-Carneiro...

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