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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Auto-retrato...


Ao nascer eu não estava acordado, de forma que

não vi a hora.

Isso faz tempo.

Foi na beira de um rio.

Depois eu já morri 14 vezes.

Só falta a última.

Escrevi 14 livros

E deles estou livrado.

São todos repetições do primeiro.

(posso fingir de outros, mas não posso fugir de mim).

Já plantei dezoito árvores, mas pode que só quatro.

Em pensamentos e palavras namorei noventa moças,

mas pode que nove.

Produzi desobjetos, 35, mas pode que onze.

Cito os mais bolinados: um alicate cremoso, um

abridor de amanhecer, uma fivela de prender silêncios,

um prego que farfalha, um parafuso de veludo etc etc.

Tenho uma confissão: noventa por cento do que escrevo é invenção;

só dez por cento que é mentira.

Quero morrer no barranco de um rio:

- Sem moscas

na boca descampada!...
.
.
.
Manoel de Barros...

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