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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Acaso...


No acaso da rua o acaso da rapariga loira.

Mas não, não é aquela.


A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.


Perco-me subitamente da visão imediata.

Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,

E a outra rapariga passa.


Que grande vantagem o recordar intransigentemente!

Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,

E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.



Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!

Ao menos escrevem-se versos.

Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,

Se calhar, ou até sem calhar.

Maravilha das celebridades!


Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...

Mas isto era a respeito de uma rapariga,

De uma rapariga loira,

Mas qual delas?

Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,

Numa outra espécie de rua;

E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade,

Numa outra espécie de rua;

Por que todas as recordações são a mesma recordação,

Tudo que foi é a mesma morte,

Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?


Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.

Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?

Pode ser...A rapariga loira?


Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo

também afinal...
.
.
.
Álvaro de Campos, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa...

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