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sábado, 8 de setembro de 2012

Passagem da noite...


É noite. Sinto que é noite.

não porque a noite descesse

(bem me importa a fase negra)

mas porque dentro de mim,

no fundo de mim, o grito

se calou, fez-se desânimo.

Sinto que nós somos noite,

que palmitamos no escuro

e em noite nos dissolvemos.

Sinto que é noite no vento,

noite nas águas, na pedra.


E que adianta uma lâmpada?

E que adianta uma voz?

É noite no meu amigo.

É noite no submarino.

É noite na roça grande.

É noite, não é morte, é noite

de sono espesso e sem praia.

Não é dor, nem paz, é noite,

é perfeitamente a noite.


Mas salve, olhar de alegria!

E salve, dia que surge!

Os corpos saltam do sono,

o mundo se recompõe.

Que gozo na bicicleta!

Existir: seja como for.

A fraterna entrega do pão.

Amar: mesmo nas canções.


De novo andar: as distâncias,

as cores, posse das ruas.

Tudo que à noite perdemos

se nos confia outra vez.

Obrigado, coisas fiéis!

Saber que ainda há florestas,

sinos, palavras, que a terra

prossegue seu giro, e o tempo

não murchou: não nos diluimos!

Chupar o gosto do dia!

Clara manhã, obrigado,

o essencial é viver...
.
.
.
Carlos Drummond de Andrade...

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