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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A prostituta...


Quando a noite pare em sangue a madrugada

As constelações se desorganizam

As nuvens se encapelam

Quando os guindastes do porto se espreguiçam

Os muros do fortim alvejam

O caçador submarino já pode olhar nos olhos

O mero adormecido

Quando a fome come a criança da colina suja

Os bichos humanos chegam à lavoura farejando a névoa

Os passageiros do ar visitam a lua nova

O seringueiro não sorri

O porco não sorri

Não sorri não sabe rir nunca soube rir

Como não sabe rir a formiga

O pedregulho

O mendigo

O bode rupestre da falésia aguilhoada

Quando a noite se encerra e há uma pausa

O membro do marido emurchece no lençol

Quando o Nilo estende as suas barbas velhas ao sol

Quando o Rio Amarelo silenciosamente dá as cartas

O Don abre seus braços aos trigais

O Amazonas apodrece

Quando o riacho acorda o homem descalço

Quando o rio todos os rios vão recuperando a memória

E contam sussurrando

A história do mastim do lorde

O chicote do dono

A botina do polícia

O gancho do corsário

O milionário tumefato com uma luz no ventre

A metamorfose do chacal

Quando os rios se recordam

E vão contando

Sussurrando

Conspirando

Enlaçando as cidades frias e cálidas

Enlaçando os campos

Como no tempo de faraós posessos que uivavam

Dos profetas de longas barbas sujas

Como no tempo dos cantochões do convento

Do archote ao pé do cadafalso

Milhões de homens milhões de batalhas milhões de febres

Milhões

Milhões de ratazanas históricas

De escravos

De crucificados

É quando

O rio se lembra com dificuldade

(Ela que foi pura)

E que vai cuspindo restos de lágrimas e lama

E se envergonha e quer morrer

É quando a prostituta se entreabe sobre a cama

E se fecha

E fica surda ao apelo do rio

E se entreabre devagar

E se fecha

Tímida flor que provocasse a náusea

Sentreabrindo

Se fechando

Opaca surda grossa

Na menstruação dolorosa de um grito que se fecha

No retraimento obsceno de um membro que emurchece

Então é quando a prostituta deveria sentar-se à margem do Hudson

E chorar

Chorar as lágrimas todas de seus olhos

De seus ouvidos

De suas narinas

De sua vagina

De suas mãos, de seus pés

Chorar as vezes que não chorou

Chorar o sangue o mênstruo o leite

Chorar como os rios choram sem tempo e surdos

Como o Conde Ugolino

As santas estigmatizadas

Chorar como choram os mendigos

Um pranto sujo

Um mênstruo rude

Um leite envenenado...
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Paulo Mendes Campos...

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