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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A bomba suja...


Introduzo na poesia

A palavra diarréia.

Não pela palavra fria

Mas pelo que ela semeia.


Quem fala em flor não diz tudo.

Quem me fala em dor diz demais.

O poeta se torna mudo

sem as palavras reais.


No dicionário a palavra

é mera idéia abstrata.

Mais que palavra, diarréia

é arma que fere e mata.


Que mata mais do que faca,

mais que bala de fuzil,

homem, mulher e criança

no interior do Brasil.


Por exemplo, a diarréia,

no Rio Grande do Norte,

de cem crianças que nascem,

setenta e seis leva à morte.



É como uma bomba D

que explode dentro do homem

quando se dispara, lenta,

a espoleta da fome.


É uma bomba-relógio

(o relógio é o coração)

que enquanto o homem trabalha

vai preparando a explosão.


Bomba colocada nele

muito antes dele nascer;

que quando a vida desperta

nele, começa a bater.


Bomba colocada nele

Pelos séculos da fome

e que explode em diarréia

no corpo de quem não come.


Não é uma bomba limpa:

é uma bomba suja e mansa

que elimina sem barulho

vários milhões de crianças.


Sobretudo no nordeste

mas não apenas ali

que a fome do Piauí

se espalha de leste a oeste.


Cabe agora perguntar

quem é que faz essa fome,

quem foi que ligou a bomba

ao coração desse homem.


Quem é que rouba a esse homem

o cereal que ele planta,

quem come o arroz que ele colhe

se ele o colhe e não janta.


Quem faz café virar dólar

e faz arroz virar fome

é o mesmo que põe a bomba

suja no corpo do homem.


Mas precisamos agora

desarmar com nossas mãos

a espoleta da fome

que mata nossos irmãos.


Mas precisamos agora

deter o sabotador

que instala a bomba da fome

dentro do trabalhador.


E sobretudo é preciso

trabalhar com segurança

pra dentro de cada homem

trocar a arma de fome

pela arma da esperança...
.
.
.
Ferreira Gullar...

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