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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Feliz, insuportávelmente...


Aos poucos a lua perde o resplendor.

O rio sabe a sangue, e ninguém sabe.

É a derradeira chance de me ver

pela primeira vez inteiro: cara a cara.

Simplificar prefiro. Por que hesito

em revelar as águas escuras

que me percorrem, essas onde moram

peixes cinzentos, surdos, que me sabem?

Dizer me basta que não cometi

o pecado pior do homem:

o de não ser feliz (O juízo é de Borges

que era cego, mas descobriu a rosa

escondida no coração da moça.)

Vi o fundo de um lago de esmeraldas.

Eu fui feliz, insuportavelmente.

As desgraças que duras me feriram

nada foram (contando a de existir)

ao lado dos milagres que vivi,

dos mágicos momentos que inventei.

Não é preciso ir longe. Numa noite

de ardente primavera eu viajei,

abraçado aos cabelos desvairados

que me ensinavam o cântico dos cânticos,

pelo mar dos espaços siderais.

Voltei intacto. Parece que passaram

eternidades.

Sozinho agora sou: perante mim,

ou entre mim e a noite que me chama,

espaço em que mal cabe o que escondi.

E mais de meio século de festa,

de lágrimas, de assombro, de ternura,

inútil se resume na fagulha

fugaz do tempo em que meu ser total,

resíduo de memórias, já se adere

- imperceptível -

ao silêncio noturno da floresta...
.
.
.
Thiago de Mello...

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