Pesquisar este blog
Meus Vídeos...
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
Invocação à mulher única...
Tu, pássaro – mulher de leite! Tu que carregas as
lívidas glândulas do amor acima do sexo infinito
Tu, que perpetuas o desespero humano – alma
desolada da noite sobre o frio das águas – tu
Tédio escuro, mal da vida – fonte! jamais... jamais...
(que o poema receba as minhas lágrimas!...)
Dei-te um mistério: um ídolo, uma catedral, uma prece
são menos reais que três partes sangrentas do meu coração
em martírio
E hoje meu corpo nu estilhaça os espelhos e o mal está em
mim e a minha carne é aguda
E eu trago crucificadas mil mulheres cuja santidade dependeria
apenas de um gesto teu sobre o espaço em harmonia.
Pobre eu! sinto-me tão tu mesma, meu belo cisne, minha bela,
bela garça, fêmea
Feita de diamantes e cuja postura lembra um templo adormecido
numa velha madrugada de lua...A minha ascendência de heróis:
assassinos, ladrões, estupradores, onanistas – negações do bem:
o Antigo Testamento! – a minha descendência
De poetas: puros, selvagens, líricos, inocentes: O Novo Testamento
afirmações do bem: dúvida
(Dúvida mais fácil que a fé, mais transigente que a esperança, mais
oporturna que a caridade
Dúvida, madrasta do gênio) – tudo, tudo se esboroa ante a visão do
teu ventre púbere, alma do Pai, coração do Filho, carne do Santo Espírito,
amém!
Tu, criança! cujo olhar faz crescer os brotos dos sulcos da terra – perpetuação
do êxtase
Criatura, mais que nenhuma outra, porque nasceste fecundada pelos astros – mulher!
tu que deitas o teu sangue
Quando os lobos uivam e as sereias desacordadas se amontoam pelas praias – mulher!
Mulher que eu amo, criança que amo, ser ignorado, essência perdida num ar de inverno.
Não me deixes morrer!... eu, homem – fruto da terra – eu, homem – fruto da carne
Eu que carrego o peso da tara e me rejubilo, eu que carrego os sinos do sêmen que
se rejubilam à carne
Eu que sou um grito perdido no primeiro vazio à procura de um Deus que é o vazio
ele mesmo!
Não me deixes partir... – as viagens remontam à vida!... e por que eu partiria se és a
vida, se há em ti a viagem muito pura.
A viagem do amor que não volta, a que me faz sonhar do mais fundo da minha poesia
Com uma grande extensão de corpo e alma – uma montanha imensa e desdobrada
– por onde eu iria caminhando
Até o âmago e iria e beberia da fonte mais doce e me enlanguesceria e dormiria
eternamente como uma múmia egípcia
No invólucro da Natureza que és tu mesma, coberto da tua pele que é a minha
própria – oh mulher, espécie adorável da poesia eterna!...
.
.
.
Vinicius de Moraes...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário