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sábado, 21 de julho de 2012

A espantosa ode a São Francisco de Assis...



1

Meu são Francisco de Assis, Francisco de Assim, poverello,

ou como te chame a sabedoria dos povos e dos homens

Este é Vinicius de Moraes, de quem se podia dizer – o poeta –

se jamais alguém o pudesse ser depois de ti.



2

Este é o impuro, o inconstante, o trágico, o leproso e possivelmente o morto

Que vem a ti o fiel, o calmo, o humano, o constante.



3

Este é o que sacrifica a vida pelo prazer da hora, e se desgraça

Que vem a ti que sacrificaste a vida pela eternidade e pela graça.



4

Este é o homem da mulher, o homem da carne, o homem da terra

E que te ama santo da Mulher, santo da Carne, santo da Terra.



5

Este é o que peca e não se arrepende, o supliciador e o criador do espasmo

E que te exalta irmão humilde e louco, confidente, e inventor do êxtase.



6

Este é o mágico do desespero, o inquisidor e o sedutor, o poeta triste

Que te proclama o rei, entre todos, amante sem mácula.



7

Meu são Francisco de Assis! acolhe teu amigo e teu criado

Que partiu para sempre e se perdeu, e nunca mais foi encontrado.



8

Tenho um mistério a te dizer, mas quem sabe não o ouvirias

Vendo-me criança – se é que eu fui criança um dia!



9

Ó dá-me teu sorriso, são Francisco, e me purifica

E liberta-me da vã palavra de sonho que me impurifica!



10

Eis que converti meu demônio a mim e meu anjo a mim

E me sinto demais em mim mesmo e quisera me despedaçar em ti.



11

Porque me sinto covarde de não poder dormir e precisar fechar a porta

Ao vento frio ou ao chamado sombrio da pureza morta.



12

És tu um dom da minha miséria e serias o mesmo

Se eu fosse como tu mesmo? – e te proclamaria?



13

E porque amo a miséria em mim que me deposita em ti

Porque não fosse eu sombra não serias sol nem pensarias em mim.



14

E porque aceito minha depravação e faço a minha queixa sem piedade

E de todos tenho piedade menos de mim – e não há salvação para minha piedade



15

Sou digno como o animal nobre que morre em silêncio e sem lágrimas

E não tem limbo ou purgatório, céu ou inferno para a sua alma.



16

Mas sou impuro como a terra que recebe a consumação da carne

E astuto como o fogo e plástico como a água.



17

Meu são Francisco, ouve o meu voto e compreende o meu vazio

E me aquece do frio, e me protege do sonho sombrio.



18

Tu és a Palavra – a palavra inexistente – a poesia

Que eu busco sem tréguas, que busco de noite e que busco de dia.



19

Não creio em Deus mas creio em ti – Deus é minha melancolia

Tu és minha poesia – ou quando não seja o amor que ela se deseja



20

Tenho o lar e tenho o mar, e nada tenho

Tenho a emoção – tenho-a? – nem pranto mais blues.



21

Na verdade muitas coisas eu tenho, e muita razão de ser feliz

Se não existisses talvez – mas exististe, São Francisco de Assis!



22

És a infância não vivida, és a mocidade não merecida

És tudo de justo feito injusto pela catástrofe da vida.



23

Ninguém o sabe senão tu – nem mesmo eu sei! nesse momento

Meu pensamento é tédio mas amanhã pode ser contentamento.



24

Porque há em mim uma fonte pura de mal que me embriaga

De bem, mas que subitamente me estanca o que me falta.



25

É a mulher, essa que me suporta e que me acaricia

E a quem acaricio, e a quem eu rio e que se ri.



26

Não fosse ela, e eu estaria como Jó te mentindo,

Porque o poeta é a semente da mentira se, no desespero, só.



27

Dou-te meu voto além da mulher! é a criança que te fala

Quando subitamente se conheceu menino no grande silêncio de uma sala.



28

Quando brincando com o próprio sexo o surpreendeu sensível

E o viu inteligente e emocionado e não compreendeu.



29

E que criou sozinho a primeira forma nua para o prazer contemplativo

E que se deu a ela desvairado do mistério de se saber vivo.



30

E que a transportou na memória em amor e que foi traído

Pelo toque de outra mão menos pura e mais desmerecida.



31

E que foi seviciado antes do sêmen pela desventura

Feito mulher, e a perdoou, e a amou, e a fez sua criatura.



32

E que foi iniciado nos prazeres da carne como o inocente aprendiz

A quem a mulher diz – Faz! e ele faz, tal como eu fiz.



33

Antes do sêmen! e não morri – e bela fiz minha criatura

Eis por que não há salvação e eu amo a minha degradação e impostura.



34

Porque eu sou o sedutor, se seduzido, e o erótico, se seviciado

E o amante, se querido, e o perdido, se privilegiado.



35

Porque fazemos um – eu e a mulher – e não há dois arrependimentos

Para um só corpo – nem duas salvações para um só sentimento.



36

E se alguém não vem comigo eu não quero ir, porque não sou sozinho

E se eu fosse sozinho não estava nesse momento clamando de ti



37

Meu são Francisco de Assis! ouve tu ao menos a minha inefável miséria

Sem perdão e sem consolação e sem fim nos caminhos da Terra.



38

Ouve o apelo mais íntimo, o que não está nas minhas palavras

E que está no meu ser infeliz e no ser infeliz que eu crio à minha passagem.



39

O santo, o herói e o poeta – três penitências do mundo

Tu, santo, herói e poeta – uma penitência em mim.



40

Nunca te verei no céu, nem nunca me verás no inferno

Mas hei de te escutar no estio, e tu me escutarás no inverno.



41

Não me verás no céu porque não há paixão para a serenidade

Nem no inferno porque não há castigo para a fatalidade.



42

Mas eu te escutarei aqui na Terra, entre as grandes árvores

A cabeça no seio da amiga, e a quem eu falo como ao pássaro.



43

Um dia deixarei a cidade da minha angústia e sua torre

E irei a Assis entre colinas me abandonar à tua saudade.



44

E dá-me nesse dia de chorar todas as lágrimas contidas

E de me perder em mim o pranto e de me ajoelhar no teu sepulcro.



45

Ó grande santo louco, meu irmão, taumaturgo em minha alma

Taumaturgo – palavra que contém silêncio e que me acalma!



46

Just now I have been in a [ ... ] party in the Magdalen's cloister

And there was an Armenian [ ... ] all the others.



47

Good inocent peopte [ ... ] some liquor in their rooms

But was a bloody phantom between them, so help me God!



48

Eu sou o conhecimento perfeito das coisas e dos homens

Linchai-me! eu sei todos os segredos, e eu me abandono.



49

Nunca criatura criada foi tão pagã como eu, so help me God!

Arrastando meu ser à execração e à contemplação quieta da morte.



50

Em vão te direi – ou não? – porque não vens beber meu vinho

Na minha mesa, e poderíamos falar com mais carinho.



51

São Francisco de Assis! meu irmão, meu único inimigo

No céu, eu te maldigo, eu te bendigo. Eu me persigno!



52

Tive uma jetatura: a mulher; uma aventura: a poesia

Uma desventura: a delicadeza. Sou delicado, não peço, mendigo!



53

Mendigo: mendigo o pão de meus pais, o amor de meus amigos

Mas só a mulher me persegue e só à mulher eu persigo.



54

Santo! tenho gana de te dizer: foge de mim! evita o meu contato escuro

Porque eu sou puro na maldade e puro na sinceridade e impuro.



55

Quatro livros escrevi – e sou tão moço! e nada compreendo de mim

Senão que sou cruel com a mulher, e que minha angústia não tem fim.



56

Fui buscado, também. Buscou-me a sociedade, o anfitrião

E eu fui mendigo em meu salão e me desprezei e disse não.



57

E me mandaram a Oxford, e eu disse não, e vi jovens viscondes

Que temeram meu pudor, e eu disse não, e me persigno!



58

Tudo é magia! Lembras-te? o silêncio fantástico das noites

E a alma bêbada de emoção? e nenhum pouso.



59

Ah, que a vida não tem solução. Muitos o disseram em vão

E o direi em vão, e morrerei, e os que me virem, sorrirão...
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Vinicius de Moraes...

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