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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Elogio da sombra...


A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)

pode ser o tempo de nossa felicidade.

O animal morreu ou quase morreu.

Restam o homem e sua alma.

Vivo entre formas luminosas e vagas

que não são ainda a escuridão.

Buenos Aires,

que antes se espalhava em subúrbios

em direção à planície incessante,

voltou a ser La Recoleta, o Retiro,

as imprecisas ruas do Once

e as precárias casas velhas

que ainda chamamos o Sul.

Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;

Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;

o tempo foi meu Demócrito.

Esta penumbra é lenta e não dói;

flui por um manso declive

e se parece à eternidade.

Meus amigos não têm rosto,

as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,

as esquinas podem ser outras,

não há letras nas páginas dos livros.

Tudo isso deveria atemorizar-me,

mas é um deleite, um retorno.

Das gerações dos textos que há na terra

só terei lido uns poucos,

os que continuo lendo na memória,

lendo e transformando.

Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte

convergem os caminhos que me trouxeram

a meu secreto centro.

Esses caminhos foram ecos e passos,

mulheres, homens, agonias, ressurreições,

dias e noites,

entressonhos e sonhos,

cada ínfimo instante do ontem

e dos ontens do mundo,

a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,

os atos dos mortos,

o compartilhado amor, as palavras,

Emerson e a neve e tantas coisas.

Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,

a minha álgebra e minha chave,

a meu espelho.

Breve saberei quem sou...
.
.
.
Jorge Luis Borges...

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