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domingo, 29 de julho de 2012

O incriado...



Distantes estão os caminhos que vão para o tempo - outro luar eu vi passar na altura

Nas plagas verdes as mesmas lamentações escuto como vindas da eterna espera

O vento ríspido agita sombras de araucárias em corpos nus unidos se amando

E no meu ser todas as agitações se anulam como vozes dos campos moribundos.


Oh, de que serve ao amante o amor que não germinará na terra infecunda

De que serve ao poeta desabrochar sobre o pântano e cantar prisioneiro?

Não há a fazer pois que estão brotando crianças trágicas como cactos

Da semente má que a carne enlouquecida deixou nas matas silenciosas.


Nem plácidas visões restam aos olhos - só o passado surge se a dor surge

E o passado é como o último morto que é preciso esquecer para Ter vida

Todas as meias-noites soam e o leito está deserto do corpo estendido

Nas ruas noturnas a alma passeia, desolada e só, em busca de Deus.


Eu sou como o velho barco que guarda no seu bojo o eterno ruído do mar batendo

No entanto, como está longe o mar e como é dura a terra sob mim...

Felizes são os pássaros que chegam mais cedo que eu à suprema franqueza

E que, voando, caem, pequenos e abençoados, nos parques onde a primavera é eterna.


Na memória cruel vinte anos seguem a vinte anos na única paisagem humana

Longe do homem os desertos continuam impassíveis diante da morte

Os trigais caminham para o lavrador e o suor para a terra

E dos velhos frutos caídos surgem árvores estranhamente calmas.


Ai, muito andei e em vão... rios enganosos conduziram meu corpo a todas as idades

Na terra primeira ninguém conhecia o Senhor das bem-aventuranças...

Quando meu corpo precisou repousar, eu repousei,

quando minha boca ficou sedenta, eu bebi

Quando meu ser pediu a carne, eu dei-lhe a carne mas eu me senti mendigo.


Longe está o espaço onde existem os grandes vôos e onde a música vibra solta

A cidade deserta é o espaço onde o poeta sonha os grandes vôos solitários

Mas quando o desespero vem e o poeta se sente morto para a noite

As entranhas das mulheres afogam o poeta e o entregam dormindo à madrugada.


Terrível é a dor que lança o poeta prisioneiro à suprema miséria

Terrível é o sono atormentado do homem que suou sacrilegamente a carne

Mas boa é a companhia errante que traz o esquecimento de um minuto

Boa é a esquecida que dá o lábio morto ao beijo desesperado.


Onde os cantos longínquos do oceano?...

Ssobre a espessura verde eu me debruço e busco o infinito

Ao léu das ondas há cabeleiras abertas como flores -

São jovens que o terno amor surpreendeu

Nos bosques procuro a seiva úmida mas os troncos estão morrendo

No chão vejo magros corpos enlaçados de onde a poesia fugiu como o perfume da flor morta.


Muito forte sou para odiar nada senão a vida

Muito fraco sou para amar nada mais do que a vida

A gratuidade está no meu coração e a nostalgia dos dias me aniquila

Porque eu nada serei como ódio e como amor se eu nada conto e nada valho.


Eu sou o Incriado de Deus, o que não teve a sua alma e semelhança

Eu sou o que surgiu da terra e a quem não coube outra dor senão a terra

Eu sou a carne louca que freme ante a adolescência impúbere e explode sobre a imagem criada

Eu sou o demônio do bem e o destinado do mal mas eu nada sou.


De nada vale ao homem a pura compreensão de todas as coisas

Se ele tem algemas que o impedem de levantar os braços para o alto

De nada valem ao homem os bons sentimentos se ele descansa nos sentimentos maus

No teu puríssimo regaço eu nunca estarei, Senhora...


Choram as árvores na espantosa noite, curvadas sobre mim, me olhando...

Eu caminhando... sobre meu corpo as árvores passando

Quem morreu se eu estou vivo, por que choram as árvores?

Dentro de mim tudo está imóvel, mas eu estou vivo, eu seu que estou vivo porque sofro.


Se alguém não devia sofrer eu não devia, mas sofro e é tudo o mesmo

Eu tenho o desvelo e a benção, mas sofro como um desesperado e nada posso

Sofro a pureza impossível, sofro o amor pequenino dos olhos de das mãos

Sofro porque a náusea dos seios gastos está amargurando a minha boca.


Não quero a esposa que eu violaria nem o filho que ergueria a mão sobre o meu rosto

Nada quero porque eu deixo traços de lágrimas por onde passo

Quisera apenas que todos me desprezassem pela minha fraqueza

Mas, pelo amor de Deus, não me deixeis nunca sozinho!


Ás vezes por um segundo a alma acorda para um grande êxtase sereno

Num sopro da suspensão e beleza passa e beija a fronte do homem parado

E então o poeta surge e do seu peito se ouve uma voz maravilhosa

Que palpita no ar fremente e envolve todos os gritos num só grito.


Mas depois, quando o poeta foge e o homem volta como de um sonho

E sente sobre a sua boca um riso que ele desconhece

A cólera penetra em seu coração e ele renega a poesia

Que veio trazer de volta o princípio de todo o caminho percorrido.


Todos os momentos estão passando e todos os momentos estão sendo vividos

A essência das rosas invade o peito do homem e ele se apazigua no perfume

Mas se um pinheiro uiva no vento o coração do homem cerra-se de inquietude

No entanto, ele dormirá ao lado dos pinheiros uivando e das rosas recendendo.


Eu sou o Incriado de Deus, o que não pode fugir à carne e à memória

Eu sou como o velho barco longe do mar, cheio de lamentações no vazio do bojo

No meu ser todas as agitações se anulam - nada permanece para a vida

Só eu permaneço parado dentro do tempo passando, passando, passando...
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Vinicius de Moraes...

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