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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Retrato do desconhecido...


Ele tinha uns ombros estreitos, e a sua voz era tímida,


Voz de um homem perdido no mundo,

Voz de quem foi abandonado pelas esperanças,

Voz que não manda nunca,

Voz que não pergunta,

Voz que não chama,

Voz de obediência e de resposta,

Voz de queixa, nascida das amarguras íntimas,

Dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas.


Há vozes que aclaram o ser,

Macias ou ásperas, vozes de paixão e de domínio,

Vozes de sonho, de maldição e de doçura.

Os ombros eram estreitos,

Ombros humildes que não conhecem as horas de fogo do

amor inconfundível,


Ombros de quem não sabe caminhar,

Ombros de quem não desdenha nem luta,

Ombros de pobre, de quem se esconde,

Ombros tristes como os cabelos de uma criança morta,

Ombros sem sol, sem força, ombros tímidos,

De quem teme a estrada e o destino

De quem não triunfará na luta inútil do mundo:

Ombros nascidos para o descanso das tábuas de um caixão,

Ombros de quem é sempre um Desconhecido,

De quem não tem casa, nem Natal, nem festas;

Ombros de reza de condenado,

E de quem ama, na tristeza, a sombra das madrugadas;

Ombros cuja contemplação provoca as últimas lágrimas.


Os seus pés e as suas mãos acompanhavam os ombros

num mesmo ritmo.

Mãos sem luz, mãos que levam à boca o alimento

sem substância,

Mãos acostumadas aos trabalhos indolentes,

Mãos sem alegria e sem o martírio do trabalho.

Mãos que nunca afagaram uma criança,

Mãos que nunca semearam,

Mãos que não colheram uma flor.

Os pés, iguais às mãos

— Pés sem energia e sem direção,

Pés de indeciso, pés que procuram as sombras e o esquecimento,

Pés que não brincaram, pés que não correram.

No entanto os olhos eram olhos diferentes.

Não direi, não terei a delicadeza precisa na expressão

para traduzir o seu olhar.

Não saberei dizer da doçura e da infância daqueles olhos,

Em que havia hinos matinais e uma inocência, uma tranqüilidade,

um repouso de mãos maternas.


Não poderei descrever aquele olhar,

Em que a Poesia estava dormindo,

Em que a inocência se confundia com a santidade.

Não poderei dizer a música daquele olhar que me surpreendeu um dia,


Que se abriram diante de mim como um abrigo,

E que me trouxe de repente os dias mortos,

Em que me descobri como outrora,

Livre e limpo, como no princípio do mundo,

Envolvido na suavidade dos primeiros balanços,

Sentindo o perfume e o canto das horas primeiras!

Não direi do seu olhar!


Não direi do seu olhar!

Não direi da sua expressão de repouso!

Ainda não sei se era dele esse olhar,

Ou se nasceu de mim mesmo, num rápido instante de paz

e de libertação!...
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Augusto Frederico Schimdt...

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