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quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Confissão...
Se não a vejo e o espírito a afigura,
Cresce este meu desejo de hora em hora...
Cuido dizer-lhe o amor que me tortura,
O amor que a exalta e a pede e a chama e a implora.
Cuido contar-lhe o mal, pedir-lhe a cura...
Abrir-lhe o incerto coração que chora,
Mostrar-lhe o fundo intacto de ternura,
Agora, embevecida e mansa agora...
E é num arroubo em que a alma desfalece
De sonhá-la prendada e casta e clara,
Que eu, em minha miséria, absorto a aguardo...
Mas ela chega, e toda me parece
Tão acima de mim...tão linda e rara...
Que hesito, balbucio e me acobardo...
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Manuel Bandeira...
Semântica...
Não se enganem comigo
se digo sul pode ser norte,
chego mais fico ausente.
o triste é também o belo,
procuro o que não se perde
nem se pode encontrar.
Buscar respostas nos livros
é esconder-se entre linhas.
Não creio que se enxerga,
mas nisso que se desfarça
por mais que se tente olhar:
assim me tem seduzida.
Eis o jogo que eu persigo,
meu jeito de ser feliz,
o desafio que me embala:
sempre que escrevo "morte"
estou falando de vida...
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Lya Luft...
Mais ou menos em ponto...
Condenado a ser exato,
quem dera poder ser vago,
fogo fátuo sobre um lago,
ludibriando igualmente
quem voa, quem nada, quem mente,
mosquito, sapo, serpente.
Condenado a ser exato,
por um tempo escasso,
um tempo sem tempo
como se fosse o espaço,
exato me surpreendo,
losango, metro, compasso,
o que não quero, querendo...
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Paulo Leminski...
31/10 - Superando a Tentação...
Quando, devido aos nossos pensamentos errados,
caímos no abismo do erro, devemos rezar:
"Pai, não nos abandones aqui, mas ergue-nos
através da força da nossa razão e da nossa vontade.
E quando estivermos fora, se for a Tua vontade continuar
a nos testar, faze-Te primeiro conhecido a nós, para que
possamos entender que Tu és muito mais tentador que a tentação"...
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Paramahansa Yogananda, "A Eterna Busca do Homem"...
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Trapo...
O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.
Bem sei: a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoas, chuvas, escuros - isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.
Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.
Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...
O dia deu em chuvoso...
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Álvaro de Campos, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa...
Miudezas...
Percorro todas as tardes um quarteirão de paredes
nuas.
Nuas e sujas de idade e ventos.
Vejo muitos rascunhos de pernas de grilos pregados
nas pedras.
As pedras, entrentanto, são mais favoráveias a pernas
de moscas do que de grilos.
Pequenos caracóis deixaram suas casas pregadas
nestas pedras.
E as suas lesmas saíram por aí à procura de outras
paredes.
Asas misgalhadinhas de borboletas tingem de azul
estas pedras.
Uma espécie de gosto por tais miudezas me paralisa.
Caminho todas as tardes por este quarteirões
desertos, é certo.
Mas nunca tenho certeza
Se estou percorrendo o quarteirão deserto
Ou algum deserto em mim...
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Manoel de Barros...
Serradura...
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.
E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No indindável sofá
Da minha Alma estofada.
Pois é assim: a minh'Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.
Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o "Matin" de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:
Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.
Folhetim da "Capital"
Pelo nosso Júlio Dantas —
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual…
O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!…
Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta…
Isto assim não pode ser…
Mas como achar um remédio?
— Pra acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer:
O que era fácil — partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saindo
De barrete de papel
A gritar "Viva a Alemanha"…
Mas a minh' Alma, em verdade,
Não merece tal façanha,
Tal prova de lealdade…
Vou deixá-la — decidido —
No lavabo dum Café,
Como um anel esquecido.
É um fim mais raffiné...
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Mário de Sá-Carneiro...
Por você por mim...
A noite, a noite, que se passa? diz
que se passa, esta serpente vasta em convulsão, esta
pantera lilás, de carne
lilás, a noite, esta usina
no ventre da floresta, no vale,
sob os lençóis de lama e acetileno, a aurora,
o relógio da aurora, batendo, batendo,
quebrado entre cabelos, entre músculos mortos, na podridão
a boca destroçada já não diz a esperança,
batendo
Ah, como é difícil amanhecer em Thua Thien.
Mas amanhece.
Que se passa em Huê? em Da Nang? No Delta
do Mekong? Te pergunto,
nesta manhã de abril no Rio de Janeiro,
te pergunto,
que se passa no Vietnam?
As águas explodem como granadas, os arrozais
se queimam em fósforo e sangue
entre fuzis
as crianças
fogem dos jardins onde açucenas pulsam
como bombas-relógio, os jasmineiros
soltam gases, a máquina
da primavera
danificada
não consegue sorrir.
Há mortos demais no regaço de Mac Hoa.
Há mortos demais
nos campos de arroz, sob os pinheiros,
às margens dos caminhos que conduzem a Camau.
O Vietnam agora é uma vasta oficina da morte, nos campos
da morte, o motor
da vida gira ao contrário, não
para sustentar a cor da íris,
a tessitura da carne, gira
ao contrário, a desfazer a vida, o maravilhoso aparelho
do corpo, gira
ao contrário das constelações, a vida
ao contrário, dentro
de blusas, de calças, dentro
de rudes sapatos feitos de pano e palha, gira
ao contrário a vida feita de morte.
Surdo
sistema de álcool, gira
gira, apaga rostos, mãos,
esta mão jovem
que saiba ajudar o arroz, tecer a palha. Há mortos
demais, há mortes
demais, coisas da infância, a hortelã, os sustos
do amor, aquela tarde aquela tarde clara, amada,
aquela tarde clara tudo
tudo se dissolve nas águas marrons
e entre nenúfares e limos
a correnteza arrasta para o mar o mar o mar azul
É dia feito em Botafogo.
Homens de pasta, paletó, camisa limpa,
dirigem-se para o trabalho.
Mulheres voltam da feira, as bolsas cheias de legumes.
Crianças passam para o colégio.
As nuvens nuvem
e as águas batem naturalmente em toda a orla marítima.
Nenhuma ameaça pesa sobre a cidade.
As pessoas
marcaram encontros, irão ao cinema, à buate, se amarão
nas praias
na cama
nos carros. As pessoas
acertam negócios, marcam viagens, férias.
Nenhuma ameaça
pesa sobre a cidade.
Os barulhos apitos sem alarma. O avião no céu
vai para São Paulo.
O avião no céu não é um Thunderchief da USAF
que chega trazendo a morte
como em Hanói.
Não é um Thunderchief da USAF que chega
seguido de outros
e outros
da USAF
carregados de bombas e foguetes
como em Hanói
que chega lançando bombas e foguetes
como em Hanói
como em Haiphong
incendiando o porto
destruindo as centrais elétricas
as estradas de ferro
como em Hanói
como em Hoa Bac
queimando crianças com napalm
como em Hanói
como em Chien Tien
como em Don Hoi
como em Tai Minh
como em Vihn Than
como em Hanói
Como pode uma cidade, como pode
uma cidade
resistir
Os americanos estão agora investindo muito no Vietnam
O Vietnam agora nada em ouro
e fogo
Bases aéreas
Arsenais
Depósitos de combustíveis
Laboratórios na rocha
Radar
Foguetes
A ciência eletrônica invade a selva
gases novos, armas novas
O lazy-dog
lança em todas as direções mil flechas de aço
o bull-pup
procura o alvo com seus 200 quilos de explosivos
o olho-de-serpente
pousa sobre uma casa e espera a hora certa de matar
O Vietnam agora está cheio de arame farpado
de homens louros
farpados
armados
vigiados
cercados
assustados
está cheio de jovens homens louros
e cadáveres jovens
de homens louros
enganados
Próximo à base de Da Nang
que tudo escuta e tudo vê,
próximo à base de Da Nang, esgueira-se
entre árvores um homem,
próximo à base cheia de soldados,
metralhadoras, bombas,
aviões, cheia
de ouvidos e de olhos
eletrônicos, um homem, chamado Tram,
entre as folhas e os troncos que cheiram a noite,
cauteloso se move
entre as folhas da noite, Tram Van Dam,
cauteloso se move
entre as flores da morte
Tram Van Dam
quinze anos se move
entre as águas da noite
dentro da lama
onde bate a aurora
Tram Van Dam
onde bate a aurora
Tram Van Dam
com a sua granada
entre cercas de arame
entre as minas no chão
Tram Van Dam
com seu coração
Tram Van Dam
onde bate a aurora
por você por mim
sob o fogo inimigo
com o grampo no dente
com o braço no ar
por você por mim
Tram Van Dam
onde bate a aurora
por você por mim
no Vietnam...
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Ferreira Gullar...
O homem sempre é mais forte...
O vento faz seu caminho
onde o sol desemboca o mar,
onde a terra tarja o vinho,
onde a noite é seu lagar.
O vento faz seu caminho
onde os mortos vão deitar
e a noite move moinho,
move outra noite no mar.
O vento faz seu caminho
e os pássaros vão pousar
na floração dos moinhos
que amadurecem o mar.
O vento faz seu caminho
onde há sede de plantar,
onde a semente é destino
que um sulco não pode dar.
II
O homem sempre é mais forte
se a outro homem se aliar;
o arado faz caminho
no seu tempo de cavar.
No mesmo mar que nos leva,
o vento nos quer buscar;
o que é da terra é do homem,
onde o arado vai brotar.
Por mais que a morte desfaça,
há um homem sempre a lutar;
o vento faz seu caminho
por dentro, no seu pomar...
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Carlos Nejar...
Reportagem...
O trem estacou, na manhã fria,
num lugar deserto, sem casa de estação:
a parada do Leprosário...
Um homem saltou, sem despedidas,
deixou o baú à beira da linha,
e foi andando. Ninguém lhe acenou...
Todos os passageiros olharam ao redor,
com medo de que o homem que saltara
tivesse viajado ao lado deles...
Gravado no dorso do bauzinho humilde,
não havia nome ou etiqueta de hotel:
só uma estampa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro...
O trem se pôs logo em marcha apressada,
e no apito rouco da locomotiva
gritava o impudor de uma nota de alívio...
Eu quis chamar o homem, para lhe dar um sorriso,
mas ele ia já longe, sem se voltar nunca,
como quem não tem frente, como quem só tem costas...
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Guimarães Rosa...
30/10 - Superando a Tentação...
O antigo método ortodoxo é negar
a tentação, suprimi-la.
Mas você deve aprender a dominá-la.
Não é pecado ser tentado.
Mesmo que você esteja transbordando na tentação,
você não é mau; mas se você ceder à tentação, você
estará temporariamente preso nos poderes do mal.
Você deve erguer em sua volta uma proteção de sabedoria.
Não existe força maior para resistir à tentação do que a sabedoria.
O completo entendimento colocará você numa posição em que nada
poderá tentá-lo para aquelas situações que prometem prazer, mas que,
no final, trazem apenas mágoa...
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Paramahansa Yogananda...
O poeta...
Olhos que recolhem
Só tristeza e adeus
Para que outros olhem
Com amor os seus.
Mãos que só despejam
Silêncios e dúvidas
Para que outras sejam
Das suas, viúvas.
Lábios que desdenham
Coisas imortais
Para que outros tenham
Seu beijo demais.
Palavras que dizem
Sempre um juramento
Para que precisem
Dele, eternamente...
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Vinicius de Moraes...
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Apesar da tua presença...
Na boca o beijo marcado,
lábios ainda molhados por tua saliva ácida.
No coração, feridas abertas
Sinto-me só apesar da tua presença.
Talvez seja o teu egoísmo...
Ou será indiferença?
Sentimentos parecidos, facilmente confundidos.
Prefiro pensar no egoísmo,
pois a indiferença é tão triste...
O corpo marcado,
Alma nua e desprotegida
Sinto-me só apesar da tua presença.
Faz frio... Choro, te espero...
Sofro a angústia da demora.
Penso em desistir, mas com apenas um olhar
Você me bagunça e tumultua tudo em mim
e acaba conseguindo o que veio buscar.
Esboço um sorriso, oh triste sorriso...
Disfarço bem , me entrego e esqueço as coisas
que não gosto em você.
Sinto-me só apesar da tua presença.
O teu abraço queima minha pele.
As cicatrizes latejam...
E novas marcas são deixadas quando você se vai.
A solidão, minha companheira, jamais me abandona,
E ela não me deixa esquecer do quanto me
sinto só, apesar da tua presença...
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Nina Linhares...
29/10 - Superando a Tentação...
Lembre-se que, como um filho de Deus,
você está dotado de uma grande força,
maior do que aquela que precisará para
superar todas as provas que Deus lhe enviar...
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Paramahansa Yogananda, "A Eterna Busca do Homem"...
Jovens Demais...
Fecho os olhos,
Velhas recordações teimam em invadir a mente.
Momentos que jamais voltarão, mas são como velhas fotografias amareladas.
Elas estão se apagando, desaparecendo com o tempo.
Mas sou jovem demais para me preocupar.
A Vida é tão curta, e tudo escorrega por entre os dedos.
Como areia, tento agarrar as memórias...
Prendê-las num lugar onde estarão seguras.
Será que você estará ao meu lado amanhã?
Será que viveremos juntos para sempre?
Ou nos perderemos pelos caminhos do destino?
Somos jovens demais para nos preocupar.
Do fundo do meu coração, eu não quero te perder.
Ao teu lado existe algo que me acalma, e nos teus braços adormeço e sonho.
E bebo das tuas lágrimas quentes, e beijo tua boca,
E como num cálice sagrado, bebo tua alma.
Não chore meu amor, pois somos jovens demais para nos preocupar.
Existe um preço a pagar por tudo o que fazemos.
E a solidão pode não ser tão ruim, e esse negócio de saudade não foi feito pra mim.
Sou jovem demais para me preocupar.
E nós estamos aqui, neste quarto cheio de braços, pernas, bocas, cheiros e medos.
Cheio de ternura e luxúria, numa linha tênue entre santidade e o pecado.
Aqui estamos seguros.
O amanhã está tão longe, e ainda temos estrelas para contar.
Será que você estará ao meu lado amanhã?
Será que viveremos juntos para sempre?
Ou nos perderemos pelos caminhos do destino?
Somos jovens demais para nos preocupar.
Não chore meu amor...
Mesmo distantes, não deixaremos a memória apagar...
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Nina Linhares...
domingo, 28 de outubro de 2012
Meu desejo...
Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes -
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos,
passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...
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Cora Coralina...
Retrato de uma princesa desconhecida...
Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um intenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino..
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Sophia de Mello Breyner...
Desapego...
A vida vai depressa e devagar.
Mas a todo momento
penso que posso acabar.
Porque o bem da vida seria ter
mesmo no sofrimento
gosto de prazer.
Já não tenho vontade de falar
senão com árvores, vento,
estrelas, e águas do mar.
E isso pela certeza de saber
que nem ouvem meu lamento
nem me podem responder...
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Cecília Meireles...
Filosofia...
Mas que queremos da vida? É a vida? O
que se procura em cada segundo para se perder
em cada segundo? O tempo, assim, de nada
nos serve. Um dia, dando por nós próprios,
perguntamo-nos o que fizemos, por onde
andámos, que cidades e casas percorremos,
sem que nenhuma resposta nos satisfaça. A
vida, então, limita-se a ser o que fez
de nós, sem que o tenhamos desejado, e
nada pode ser feito para voltar atrás, nem
para restituir os passos trocados de
direcção, as frases evitadas no último
extremo, o olhar que se desviou quando
não devia. Ah, sim - e o amor? É isso
que queremos da vida? É verdade: cada um
dos abraços que se deram, contando cada
instante; o rosto lembrado no auge
do prazer, quando um súbito sol desponta
dos seus lábios; os cabelos presos
nas mãos, como se elas prendessem o feixe
da eternidade... Assim, a vida poderá
ter valido a pena. É o que fica: o que
nos foi dado e o que damos, sem que nada
nos obrigasse a dar ou a receber, o puro
gesto do acaso na mais absoluta das
obrigações. Então, volto a perguntar: que
outra coisa queremos da vida?...
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Nuno Júdice...
Poema de Natal ...
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados,
Para chorar e fazer chorar,
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses,
Mãos para colher o que foi dado,
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida;
Uma tarde sempre a esquecer,
Uma estrela a se apagar na treva,
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar,
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço,
Um verso, talvez, de amor,
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E que por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre,
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte -
De repente, nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte apenas
Nascemos, imensamente...
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Vinícius de Moraes...
Contagem regressiva...
Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três a quatro rostos que amei
Num delírio de arquivística
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos...
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Ana Cristina César...
Tempo...
A mim que desde a infância venho vindo,
como se o meu destino,
fosse o exato destino de uma estrela,
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem,
amaria chamar-se Fliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho,
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo.
Quero a fome...
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Adélia Prado...
Ilusão...
Dizes que sou feliz. Não mentes. Dizes
Tudo que sentes. A infelicidade
Parece às vezes com a felicidade
E os infelizes voltam a ser felizes!
Assim, em Tebas - a tumbal cidade,
A múmia de um herói do tempo de Ísis,
Ostenta ainda as mesmas cicatrizes
Que eternizaram sua heroicidade!
Quem vê o herói, inda com o braço altivo,
Diz que ele não morreu, diz que ele é vivo,
E, persuadido fica do que diz...
Bem como tu, que nessa crença infinda
Feliz me viste no Passado, e ainda
Te persuades de que sou feliz...
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Augusto dos Anjos...
Black & White...
Se
Havana
de relance distingues,
é um paraíso,
um país de verdade.
Sob as palmas,
numa só perna,
flamingos.
Flores
colorem
todo o Vedado.
Em Havana
tudo
é demarcado claramente:
aos brancos - dólares,
aos negros - nada.
Por isso, Willie pára
com a escova à frente
de "Henry Clay & Bock, Limitada".
Em sua vida
Willie
varreu quilos -
só de poeira
todo um vale.
Por isso
é ralo
o cabelo de Willie,
por isso
o ventre de Willie
é um valo.
De alegrias - só um escuro espectro;
seis horas
para tirar uma pestana,
se é que esse
ladrão,
o inspetor da aduana,
não lança de passagem
algum tostão
ao preto.
Como livrar-se de tanto lixo?
Só se
ele andasse
de cabeça para baixo.
Assim
amontoaria mais pó:
os cabelos são mil,
os pés
dois só.
Ao lado
passava
a elegante rua Prado.
Ali retinem,
ali ressoam
quilômetros de jazz.
Parece ao pobre preto
estuporado
que o velho paraíso
em Havana se refaz.
Poucas meandros,
há na sua mente,
poucos renovos,
pouca semente.
Uma coisa
somente
Willie aprendeu,
mais firme
que as pedras
da estátua de Maseo:
"Ao branco,
o ananás maduro,
ao preto,
o podre
- uma só lei.
Ao branco,
trabalho de rei,
ao preto,
trabalho duro".
Poucos problemas o torturam,
mas um
na cabeça
penetra como um prego.
E quabdo esse problema
o crânio lhe perfura,
a escova escorrega
das mãos do negro.
Como por acaso
numa dessas vezes
o rei dos charutos,
Mister Henry Clay,
recebe em sua casa,
mais alvo que uma nuvem,
o rei
de todos os açúcares, sua alvíssima alteza.
O negro
se acercou da mole branca:
"I beg your pardon, Mister Bregg!
Por que
o
açúcar
branco-branco
o negro-negro
tem de fazê-lo?
O charuto preto
não vai bem com seu cabelo,
combina é com o pêlo
negro de um negro.
E se o café
com açúcar
lhe apraz,
por que o sr. mesmo não o faz?"
Tal pergunta
não passou em branco.
O rei
de alvaiade
vira cor de bile.
Voltou-se a majestade
e de um tranco
lançou ambas as luvas
na face de Willie.
Floresciam
em volta
prodígios de botânica.
Bananeiras
teciam
tetos primaveris.
Limpou
o negro
em suas calças brancas
as mãos,
o sangue do nariz.
O negro resfolegou,
apalpou a confusão,
levantou a escova
e se calou.
Como saberia
que com tal questão
deveria dirigir-se
ao Komintern
em Moscou?...
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Vladimir Mayakovsky...
28/10 - Superando a Tentação...
Amanhã você lutará contra os maus
hábitos melhor do que hoje?
Por que adicionar os erros de hoje
aos de ontem?
Você vai ter que se voltar para Deus alguma hora,
então não seria melhor fazê-lo agora?
Apenas entregue-se a Ele e diga:
"Senhor, sendo mau ou bom, eu sou Seu filho.
Você deve cuidar de mim".
Se você continuar tentando, fará progressos.
"Um santo é um pecador que nunca desistiu"...
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Paramahansa Yogananda, "Assim Falava Paramahansa Yogananda"...
Indagações a nós mesmos...
Que seremos na casa de nossa fé, em companhia
daqueles que comungam conosco o mesmo ideal
e a mesma esperança?
Uma fonte cristalina ou um charco pestilento?
Um sorriso que ampara ou um soluço que desanima?
Uma abelha laboriosa ou um verme roedor?
Um raio de luz ou uma nuvem de preocupações?
Um ramo de flores ou um galho de espinhos?
Um manancial de bênçãos ou um poço de águas estagnadas?
Um amigo que compreende e perdoa ou um inquisidor
que condena e destrói?
Um auxiliar devotado ou um espectador inoperante?
Um companheiro que estimula as particularidades elogiáveis
do serviço ou um censor contumaz que somente repara
imperfeições e defeitos?
Um pessimista inveterado ou um irmão da alegria?
Um cooperador sincero e abnegado ou um doente espiritual,
entrevado no catre dos preconceitos humanos, que deva ser
transportado em alheios ombros, à feição de problema insolúvel?
Indaguemos de nós mesmos, quanto à nossa atitude na comunidade
a que nos ajustamos, e roguemos ao Senhor para que o vaso de nossa
alma possa refletir-lhe a Divina Luz...
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Pelo Espírito Maria Dolores -
Do livro: Relicário de Luz,
Médium: Francisco Cândido Xavier...
Noite...
De noite só quero vestido
o tecido dos teus dedos
e sobre os ombros a franja
do final dos cabelos
Sobre os seios quero
a marca
do sinal dos teus dentes
e a vergasta dos teus
lábios
a doer-me sobre o ventre
Nas pernas e no pescoço
quero a pressão mais
ardente
e da saliva o chicote
da tua língua dormente...
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Maria Teresa Horta...
sábado, 27 de outubro de 2012
Poesia...
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia desse momento
inunda minha vida inteira...
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Carlos Drummond de Andrade...
27/10 - Superando a Tentação...
A tentação é um veneno coberto com açúcar;
tem sabor delicioso, mas a morte é certa.
A felicidade que as pessoas procuram neste
mundo não dura muito.
A Alegria Divina é eterna.
Anseie pelo que é duradouro, e seja firme
em rejeitar os impermanentes prazeres desta vida.
Você precisa ser assim.
Não deixe que este mundo o controle.
Nunca se esqueça que o Senhor é a única realidade...
Sua verdadeira felicidade está na sua experiência dEle...
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Paramahansa Yogananda, em "A Eterna Busca do Homem"...
O amor gera forças...
Estão fazendo de tudo,
Pra tirar você de mim.
Mais com nenhuma proposta eu iludo,
Vou lutar até o fim.
O meu amor por você,
É ferrenho, é muito forte.
Essa paixão que eu sinto,não me deixa eu te perder,
Confio em mim, tenho fé em minha sorte...
Deus esta do meu lado,
Sou um cristão com muita fé.
Um homem apaixonado,
Pelo amor dessa mulher...
Por mais brava que seja a fera,
Não consegue vencer o amor.
O amor quando é forte gera,
Forças para o fraco, ser o vencedor...
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São José dos Campos SP
Autor : Odias Pereira
10/06/2011...
Passeando nas curvas do teu corpo...
Quando eu faço amor com você,
Eu viajo e vou nas nuvens.
Quero tudo em você desvendar, e conhecer,
Os prazeres a mais que tu tens.
Quero provar as delícias,
Sentir o cheiro gostoso do teu perfume.
Participar das malícias,
E escutar, você me cobrar com ciúmes.
Deslizar as minhas mãos,
Em tua pele linda e macia.
Pesquizando em teus desconhecidos vãos,
Uma de minhas manias...
E assim eu vou te amando,
Passeando nas vias do teu corpo cheiroso.
E em cada curva eu vou provando,
Esse teu jeitinho gostoso...
Quero em teu corpo os caminhos percorrer,
Conhecer todos os pontos importantes.
Saber os segredos de você,
E nos amar-mos como dois felizes amantes...
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São José dos Campos SP
Autor Odias Pereira
10/06/2011...
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Canto incivil...
Basta estar vivo
pra ser subversivo.
(Ou subservivo).
Basta não figurar
no registro civil
pra ser incivil.
(Ou vil, pra encurtar a palavra).
Basta ser incivil
pra não ser ninguém.
Basta não ser ninguém
pra ter o apelido
que a polícia dá
a quem não é ninguém.
Tinha eu dois nomes:
Zebedeu,
que a miséria me deu.
E "elemento subversivo"
que a polícia me deu.
E apenas uma dor:
a que a vida me deu.
E eis-me aqui, incivil,
(ou vil, pra encurtar a palavra).
Uma patada de cavalo
em meio do comício
e eis-me aqui, estendido em decúbito
dorsal.
(Ou já cortado ao meio,
sem dor, nem sal)...
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Cassiano Ricardo...
Diário de um brasileiro...
O brasileiro convive bem com o escândalo moral.
Os ladrões infestam os salões de luxo,
os Bancos estouram, os banqueiros
são cumprimentados com reverência,
o Presidente do Congresso chama o senador
de bandido, sim senhor, vossa excelência.
O Presidente diz pela televisão
que "é preciso acabar com a roubalheira
nos dinheiros públicos".
As pessoas das cidades grandes
vivem amedrontadas, qualquer
transeunte pode ser um assaltante.
As meninas cheiram cola. Depois
vão dar o que têm de mais precioso
ao preço de um soco na cara desdentada.
O brasileiro convive com o escândalo
como se fosse o seu pão de cada dia,
com uma indiferença letal.
Como se dormir na casa com um rinoceronte,
mas rinoceronte mesmo,
fosse a coisa mais natural do mundo,
chegando a cheirar a camélias.
O povo, um dia.
Do povo vai depender
a vida que vai viver,
quando um dia merecer.
Vai doer, vai aprender...
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Thiago de Mello...
Acaso...
No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.
A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me subitamente da visão imediata.
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.
Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.
Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar.
Maravilha das celebridades!
Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?
Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser...A rapariga loira?
Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo
também afinal...
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Álvaro de Campos, um dos heterônimos de
Fernando Pessoa...
Quero...
Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor...
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Carlos Drummond de Andrade...
Rimo e rimos...
Passarinho parnasiano,
nunca rimo tanto como faz.
Rimo logo ando com quando,
mirando menos com mais.
Rimo, rimo, miras, rimos,
como se todos rimássemos,
como se todos nós ríssemos,
se amar fosse fácil.
Perguntarem por que rimo tanto,
responder que rima é coisa rara.
O raro, rarefeitamente, pára,
como pára, sem raiva, qualquer canto.
Rimar é parar, parar para ver e escutar
remexer lá no fundo do búzio
aquele murmúrio inconcluso,
Pompéia, idéia, Vesúvio,
o mar que só fala do amor.
Vida, coisa pra ser dita,
como é dita esse fado que me mata.
Mal o digo e já meu dito se conflita
com toda a cisma que, maldita, me maltrata...
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Paulo Leminski...
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