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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Feijoada à minha moda...



Amiga Helena Sangirardi

Conforme um dia prometi

Onde, confesso que esqueci

E embora — perdoe — tão tarde


(Melhor do que nunca!) este poeta

Segundo manda a boa ética

Envia-lhe a receita (poética)

De sua feijoada completa.


Em atenção ao adiantado

Da hora em que abrimos o olho

O feijão deve, já catado

Nos esperar, feliz, de molho


E a cozinheira, por respeito

À nossa mestria na arte

Já deve ter tacado peito

E preparado e posto à parte


Os elementos componentes

De um saboroso refogado

Tais: cebolas, tomates, dentes

De alho — e o que mais for azado


Tudo picado desde cedo

De feição a sempre evitar

Qualquer contato mais... vulgar

Às nossas nobres mãos de aedo.


Enquanto nós, a dar uns toques

No que não nos seja a contento

Vigiaremos o cozimento

Tomando o nosso uísque on the rocks


Uma vez cozido o feijão

(Umas quatro horas, fogo médio)

Nós, bocejando o nosso tédio

Nos chegaremos ao fogão


E em elegante curvatura:

Um pé adiante e o braço às costas

Provaremos a rica negrura

Por onde devem boiar postas


De carne-seca suculenta

Gordos paios, nédio toucinho

(Nunca orelhas de bacorinho

Que a tornam em excesso opulenta!)


E — atenção! — segredo modesto

Mas meu, no tocante à feijoada:

Uma língua fresca pelada

Posta a cozer com todo o resto.


Feito o quê, retire-se o caroço

Bastante, que bem amassado

Junta-se ao belo refogado

De modo a ter-se um molho grosso


Que vai de volta ao caldeirão

No qual o poeta, em bom agouro

Deve esparzir folhas de louro

Com um gesto clássico e pagão.


Inútil dizer que, entrementes

Em chama à parte desta liça

Devem fritar, todas contentes

Lindas rodelas de lingüiça


Enquanto ao lado, em fogo brando

Dismilingüindo-se de gozo

Deve também se estar fritando

O torresminho delicioso


Em cuja gordura, de resto

(Melhor gordura nunca houve!)

Deve depois frigir a couve

Picada, em fogo alegre e presto.


Uma farofa? — tem seus dias...

Porém que seja na manteiga!

A laranja gelada, em fatias

(Seleta ou da Bahia) — e chega


Só na última cozedura

Para levar à mesa, deixa-se

Cair um pouco da gordura

Da lingüiça na iguaria — e mexa-se.


Que prazer mais um corpo pede

Após comido um tal feijão?

— Evidentemente uma rede

E um gato para passar a mão...


Dever cumprido. Nunca é vã

A palavra de um poeta...— jamais!

Abraça-a, em Brillat-Savarin

O seu Vinicius de Moraes...
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Vinícius de Moraes...



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