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segunda-feira, 9 de julho de 2012
O Rouxinol e a Rosa...
- Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse rosas vermelhas
– exclamou o Estudante – mas estamos no inverno e não há uma
única rosa no jardim...
Por entre as folhas, do seu ninho, no carvalho, o Rouxinol o
ouviu e, vendo-o ficou admirado...
- Não há nenhuma rosa vermelha no jardim!
– disse o Estudante, com os olhos cheios de lágrimas.
– Ah! Como a nossa felicidade depende de pequeninas coisas!
Já li tudo quanto os sábios escreveram.
A filosofia não tem segredos para mim e, contudo, a falta de
uma rosa vermelha é a desgraça da minha vida.
- Eis, afinal, um verdadeiro apaixonado!
– disse o Rouxinol.
Tenho cantado o Amor noite após noite, sem conhecê-lo no
entanto; noite após noite falei dele às estrelas, e agora o vejo...
O cabelo é negro como a flor do jacinto e os lábios vermelhos
como a rosa que deseja; mas o amor pôs-lhe na face a palidez
do marfim e o sofrimento marcou-lhe a fronte.
- Amanhã à noite o Príncipe dá um baile, murmurou o Estudante,
e a minha amada se encontrará entre os convidados.
Se levar uma rosa vermelha, dançará comigo até a madrugada.
Somente se lhe levar uma rosa vermelha...
Ah... Como queria tê-la em meus braços, sentir-lhe a cabeça
no meu ombro e a sua mão presa a minha.
Não há rosa vermelha em meu jardim... e ficarei só; ela apenas
passará por mim...
Passará por mim... e meu coração se despedaçará.
- Eis um verdadeiro apaixonado... – pensou o Rouxinol.
– Do que eu canto, ele sofre.
O que é dor para ele é alegria para mim.
Grande maravilha, na verdade, é o Amar!
Mais precioso que esmeraldas e mais caro que opalas finas.
Pérolas e granada não podem comprá-lo, nem se oferece
nos mercados.
Mercadores não o vendem, nem o conferem em balanças
a peso de ouro.
- Os músicos da galeria – prosseguiu o Estudante – tocarão
nos seus instrumentos de corda e, ao som de harpas e violinos,
minha amada dançará.
Dançará tão leve, tão ágil, que seus pés mal tocarão o assoalho
e os cortesãos, com suas roupas de cores vivas, reunir-se-ão
em torno dela.
Mas comigo não bailará, porque não tenho uma rosa vermelha
para dar-lhe... – e atirando-se à relva, ocultou nas mãos o rosto
e chorou.
- Por que está chorando? – perguntou um pequeno lagarto ao
passar por ele, correndo, de rabinho levantado.
- É mesmo! Por que será? – Indagou uma borboleta que
perseguia um raio de sol.
- Por quê? – sussurrou uma linda margarida à sua vizinha.
_-Chora por causa de uma rosa vermelha - informou o Rouxinol.
- Por causa de uma rosa vermelha? – exclamaram – Que coisa ridícula!
E o lagarto, que era um tanto irônico, riu à vontade.
Mas o Rouxinol compreendeu a angústia do Estudante e,
silencioso, no carvalho, pôs-se a meditar sobre o mistério do Amor.
Subitamente, abriu as asas pardas e voou.
Cortou, como uma sombra, a alameda, e como uma sombra,
atravessou o jardim.
Ao centro do relvado, erguia-se uma roseira.
Ele a viu. Voou para ela e posou num galho.
- Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu cantarei para
ti a minha mais bela canção!
- Minhas rosas são brancas; tão brancas quanto a espuma
do mar, mais brancas que a neve das montanhas.
Procura minha irmã, a que enlaça o velho relógio-de-sol.
Talvez te ceda o que desejas.
Então o Rouxinol voou para a roseira, que enlaçava o velho relógio-de-sol.
- Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu te cantarei minha canção mais linda.
A roseira sacudiu-se levemente.
- Minhas rosas são amarelas como as cabelos dourados das donzelas,
ainda mais amarelas que o trigo que cobre os campos antes da chegada
de quem o vai ceifar.
Procura a minha irmã, a que vive sob a janela do Estudante.
Talvez ela possa te possa ajudar.
O Rouxinol então, dirigiu o vôo para a roseira que crescia sob
a janela do Estudante.
- Dá-me uma rosa vermelha - pediu - e eu te cantarei a mais
linda de minhas canções.
A roseira sacudiu-se levemente.
- Minhas rosas são vermelhas, tão vermelhas quanto os pés das
pombas, mais vermelhas que os grandes leques de coral que
oscilam nos abismos profundos do oceano.
Contudo, o inverno regelou-me até as veias, a geada queimou-me
os botões e a tempestade quebrou-me os galhos.
Não darei rosas este ano.
- Eu só quero uma rosa vermelha, repetiu o Rouxinol,
- uma só rosa vermelha. Não haverá meio de obtê-la?
- Há, respondeu a Roseira, mas é meio tão terrível que não ouso revelar-te.
- Dize. Não tenho medo.
- Se queres uma rosa vermelha, explicou a roseira, hás de fazê-la de música,
ao luar, tingi-la com o sangue de teu coração.
Tens de cantar para mim com o peito junto a um espinho.
Cantarás toda a noite para mim e o espinho deve ferir teu coração e teu
sangue de vida deve infiltrar-se em minhas veias e tornar-se meu.
- A morte é um preço exagerado para uma rosa vermelha
– exclamou o Rouxinol – e a Vida é preciosa...
É tão bom voar, através da mata verde e contemplar o sol em seu
esplendor dourado e a lua em seu carro de pérola...
O aroma do espinheiro é suave, e suaves são as campânulas ocultas
no vale, e as urzes tremulantes na colina.
Mas o Amor é melhor que a Vida.
E que vale o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?
Abriu as asas pardas para o vôo e ergueu-se no ar.
Passou pelo jardim como uma sombra e, como uma sombra, atravessou a alameda.
O Estudante estava deitado na relva, no mesmo ponto em que o deixara,
com os lindos olhos inundados de lágrimas.
- Rejubila-te – gritou-lhe o Rouxinol - Rejubila-te; terás a tua rosa vermelha.
Vou fazê-la de música, ao luar.
O sangue de meu coração a tingirá.
Em conseqüência só te peço que sejas sempre verdadeiro amante, porque
o Amor é mais sábio do que a Filosofia; mais poderoso que o poder..
Tem as asas da cor da chama e da cor da chama tem o corpo.
Há doçura de mel em seus braços e seu hálito lembra o incenso.
O Estudante ergueu a cabeça e escutou.
Nada pode entender, porém, do que dizia o Rouxinol, pois sabia
apenas o que está escrito nos livros.
Mas o Carvalho entendeu e ficou melancólico, porque amava muito
o pássaro que construíra ninho em seus ramos.
- Canta-me um derradeiro canto - segredou-lhe - sentir-me-ei tão
só depois da tua partida.
Então o Rouxinol cantou para o Carvalho, e sua voz fazia lembrar
a água a borbulhar de uma jarra de prata.
Quando o canto finalizou, o Estudante levantou-se, tirando do bolso
um caderninho de notas e um lápis.
- Tem classe, não se pode negar – disse consigo – atravessando a alameda.
Mas terá sentimento? Não creio. É igual a maioria dos artistas.
Só estilo, sinceridade nenhuma. Incapaz de sacrificar-se por outrem.
Só pensa e cantar e bem sabemos quanto a Arte é egoísta.
No entanto, é forçoso confessar, possui maravilhosas notas na voz.
Que pena não terem significação alguma, nem realizarem nada realmente bom!
Foi para o quarto, deitou-se e, pensando na amada, adormeceu.
Quando a lua refulgia no céu, o Rouxinol voou para a Roseira
e apoiou o peito contra o espinho.
Cantou a noite inteira e o espinho mais e mais foi se enterrando
em seu peito, e o sangue de sua vida lentamente se escoou...
Primeiro descreveu o nascimento do amor no coração de um menino
e uma menina; e, no mais alto galho da Roseira, uma flor desabrochou,
extraordinária, pétala por pétala, acompanhando um canto e outro canto.
Era pálida, a princípio, qual a névoa que esconde o rio, pálida qual os pés
da manhã e as asas da alvorada. Como sombra de rosa num espelho de
prata, como sombra de rosa em água de lagoa era a rosa que apareceu
no mais alto galho da Roseira.
Mas a Roseira pediu ao Rouxinol que se unisse mais ao espinho.
– Mais ainda, Rouxinol, - exigiu a Roseira, - senão o dia raia antes
que eu acabe a rosa.
O Rouxinol então apertou ainda mais o espinho junto ao peito, e
cada vez mais profundo lhe saía o canto porque ele cantava o nascer
da paixão na alma do homem e da mulher.
E tênue nuance rosa nacarou as pétalas, igual ao rubor que invade
a face do noivo quando beija a noiva nos lábios.
Mas o espinho não lhe alcançava ainda o coração e o coração da
flor continuava branco – pois somente o coração de um Rouxinol
pode avermelhar o coração de rosa.
- Mais ainda, Rouxinol, - clamou a Roseira - raiar o dia antes que
eu finalize a rosa.
E o Rouxinol, desesperado, calcou-se mais forte no espinho, e o
espinho lhe feriu o coração, e uma punhalada de dor o traspassou.
Amarga, amarga lhe foi a angústia e cada vez mais fremente foi o
canto, porque ele cantava o amor que a morte aperfeiçoa, o amor
que não morre nem no túmulo.
E a rosa maravilhosa tornou-se purpurina como a rosa do céu oriental.
Suas pétalas ficaram rubras e, vermelho como um rubi, seu coração.
Mas a voz do Rouxinol se foi enfraquecendo, as pequeninas asas
começaram a estremecer e uma névoa cobriu-lhe o olhar, o canto
tornou-se débil e ele sentiu qualquer coisa apertar-lhe a garganta.
Então, arrancou do peito o derradeiro grito musical.
Ouviu-o a lua branca, esqueceu-se da Aurora e permaneceu no céu.
A rosa vermelha o ouviu, e trêmula de emoção, abriu-se à aragem
fria da manhã.
Transportou-o o Eco, à sua caverna purpurina, nos montes, despertando
os pastores de seus sonhos.
E ele levou-os através dos caniços dos rios e eles transmitiram sua
mensagem ao mar.
- Olha! Olha! Exclamou a Roseira. - A rosa está pronta, agora.
Ao meio dia o Estudante abriu a janela e olhou.
- Que sorte! - disse - Uma rosa vermelha!
Nunca vi rosa igual em toda a minha vida.
É tão linda que tem certamente um nome complicado em latim.
E curvou-se para colhê-la.
Depois, pondo o chapéu, correu à casa do professor.
- Disseste que dançarias comigo se eu te trouxesse uma rosa vermelha,
- lembrou o Estudante.
– Aqui tens a rosa mais linda e vermelha de todo o mundo.
Hás de usá-la, hoje a noite, sobre ao coração, e quando dançarmos
juntos ela te dirá o quanto te amo.
A moça franziu a testa.
- Esta rosa não combina com o meu vestido, disse.
Ademais, o Capitão da Guarda mandou-me jóias verdadeiras, e jóias,
todos sabem, custam muito mais do que flores...
- És muito ingrata! – exclamou o Estudante, zangado.
E atirou a rosa a sarjeta, onde a roda de um carro a esmagou.
- Sou ingrata?
E o senhor não passa de um grosseirão.
E, afinal de contas, quem és?
Um simples estudante... não acredito que tenhas fivelas de prata,
nos sapatos, como as tem o Capitão da Guarda... – e a moça
levantou-se e entrou em casa.
- Que coisa imbecil, o Amor!
– Resmungou o estudante, afastando-se.
– Nem vale a utilidade da Lógica, porque não prova nada, está
sempre prometendo o que não cumpre e fazendo acreditar em mentiras.
Nada tem de prático e como neste século o que vale é a prática, volto
à Filosofia e vou estudar metafísica.
Retornou ao quarto, tirou da estante um livro empoeirado e pôs-se a ler...
.
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Oscar Wilde...
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