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domingo, 26 de fevereiro de 2012

A Meada...

- A conversação entre as duas jovens senhoras se desenvolvia no ônibus.



- Você não pode imaginar o meu amor por ele...


- Não posso concordar com você.


- Decerto que não me entende.


- Mas, Dulce, você chega a querer o Dionísio, tanto quanto ao marido?


- Não tanto, mas não consigo passar sem os dois.


- Meu Deus! Isso é coisa de casal sem filhos!...


- É possível...


- Você não acha isso estranho, inadmissível?


- Acho natural.


- Noto você demasiadamente apegada, não é justo...


- Sei que você não me compreende...


- Simplesmente não concordo.


- Mas Dionísio...


- Isso é uma psicose...


Dona Dulce e a amiga, no entanto, ignoravam que Dona Lequinha,

vizinha de ambas, sentara-se perto e estava de ouvido atento,

sem perder palavra.


De parada em parada.

Cada uma volveu ao lar suburbano, mas Dona Lequinha, ao

chegar em casa, começou a fantasiar...

Bem que notara Dona Dulce acompanhada por um moço ao

tomar o elétrico, aliás, pessoa de cativante presença.

Recordava-lhe as palavras derradeiras: “vá tranqüila, amanhã telefonarei...”


Cabeça quente, vasculhando novidades no ar, aguardou o

esposo, colega de serviço do marido de Dona Dulce, e tão logo

à mesa, a sós com ele para o jantar, surgiu novo diálogo:


- Você não imagina o que vi hoje...


- Diga, mulher...


- Dona Dulce, calcule você!...

Dona Dulce, que sempre nos pareceu uma santa, está de aventuras...


- O quê?!...


- Vi com meus olhos...

Um rapazão a seguia mostrando gestos de apaixonado e, por fim,

no ônibus, ela própria se confessou a Dona Cecília...

Chegou a dizer que não consegue viver sem o marido e sem o outro...

Uma calamidade!...


- Ah! mas isso não fica assim, não! Júlio é meu colega e Júlio vai saber!...


A conversa transitou através de comentários escusos e, no dia

imediato, pela manhã, na oficina, o amigo ouve do amigo o desabafo em tom sigiloso:


- Júlio, você me entende... somos companheiros e não posso enganá-lo...

O que vou dizer representa um sacrifício para mim, mas falo para seu bem...

Seu nome é limpo demais para ser desrespeitado, como estou vendo...

Não posso ficar calado por mais tempo... Sua mulher...


E o esposo escutou a denúncia, longamente cochichada, qual

se lhe enternassem afiada lâmina no peito.


Agradeceu, pálido...


Em seguida, pediu licença ao chefe para ir a casa, alegando

um pretexto qualquer.

No fundo, porém, ansiava por um entendimento com a esposa,

aconselhá-la, saber o que havia de certo.


Deixou o serviço, no rumo do lar e, aí chegando, penetrou a sala, agoniado...


Estacou, de improviso.


A companheira falava, despreocupamente, ao telefone,

no quarto de dormir: “Ah! sim!...”, “Não há problema”,

“Hoje mesmo”. “Às três horas”... “Meu marido não pode saber...”.


Júlio retrocedeu, à maneira de cão espantado.

Sob enorme excitação, tornou à rua.

Logo após, notificou na oficina que se achava doente e pretendia medicar-se.

Retornou a casa e tentou o almoço, em companhia da mulher

que, em vão, procurou fazê-lo sorrir.


Acabrunhado, voltou a perambular pelas vias públicas e, poucos

minutos depois das três da tarde, entrou sutilmente no lar...

Aflito, mentalmente descontrolado, entreabriu devagarinho a porta

do quarto e viu, agora positivamente aterrado, um rapaz em mangas

de camisa, a inclinar-se sobre o seu próprio leito.

De imaginação envenenada, concebeu a pior interpretação...



O pobre operário recusou em delírio e, à noite, foi encontrado

morto num pequeno galpão dos fundos. Enforcara-se em desespero...


Só então, ao choro de Dona Dulce, o mexerico foi destrinçado.


Dionísio era apenas o belo gatinho angorá que a desolada

senhora criava com estimação imensa; o moço que a seguira

até o ônibus era o veterinário, a cujos cuidados profissionais

confiara ela o animal doente; o telefonema era baseado na encomenda

que Dona Dulce fizera de um colchão de molas, ao gosto moderno,

para uma afetuosa surpresa ao marido, e o rapaz que se achava no

aposento íntimo do casal era, nem mais nem menos, o empregado da

casa de móveis que viera ajustar o colchão referido ao leito de grandes proporções.


A tragédia, porém, estava consumada e Dona Lequinha,

diante do suicida exposto à visitação, comentou, baixinho, para a amiga de lado:


- Que homem precipitado!... Morrer por uma bobagem!

A gente fala certas coisas, só por falar!...
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Pelo Espírito Irmão X -
Do livro: Estante da Vida,
Médium: Francisco Candido Xavier...

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