Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas
palavras; sou irritável e piro facilmente;
também sou muito calma e perdôo logo;
não esqueço nunca; mas há poucas coisas
de que eu me lembre; sou paciente, mas
profundamente colérica, como a maioria
dos pacientes; as pessoas nunca me irritam
mesmo, certamente porque eu as perdôo
de antemão; gosto muito das pessoas por
egoísmo: é que elas se parecem no fundo
comigo; nunca esqueço uma ofensa, o que
é uma verdade, mas como pode ser verdade,
se as ofensas saem de minha cabeça como se
nunca nela tivessem entrando?
Tenho uma paz profunda, somente
porque ela é profunda e não pode ser
sequer atingida por mim mesmo; se fosse
alcançável por mim, eu não teria um minuto
de paz; quanto a minha paz superficial, ela é
uma alusão à verdadeira paz; outra coisa que
esqueci é que há outra alusão em mim - a do
mundo grande e aberto; apesar do meu ar duro,
sou cheia de muito amor e é isso o que certamente
me dá uma grandeza...”
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Clarice Lispector...

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