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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Flamboyant e Vaga-Lumes...


Quando a tarde estava prestes a encerrar seu expediente, quase noite, uma cigarra começava a cantar no flamboyant que morava no jardim lá de casa. Nunca soube se era uma só que cantava ou se eram várias e elas se revezavam. O canto parecia sempre o mesmo, só mudava o dia, que dia sempre teve essa mania de mudar. Nas proximidades do canto, tocava na rádio a Ave-Maria e um silêncio respeitoso abraçava tudo, aproximava as pessoas. Não precisava olhar para o relógio, eu sabia que eram seis horas.


Minha mãe, as minhas avós, paravam o que estavam fazendo para ouvir aquela música. Silenciavam, murmuravam coisas que eu não entendia. Às vezes, chegavam a chorar, sem que meus olhos atentos pudessem entender os motivos. Não importa as crenças que as alimentavam, elas não perdiam contato com a espiritualidade. Com a transcendência. Com aquilo que é maior do que nós, sendo também em nós. Eu não tinha a menor noção disso. Hoje, eu tenho. Agradeço por ter crescido exatamente ali, onde havia, ao menos, a cada fim de tarde, um espaço para o sagrado.

Quando a noite trazia a lua e as estrelas, eu via vaga-lumes correrem de um canto para o outro do quintal com seus flashs curiosos. Aquilo me parecia fantástico, um tipo de mágica que eu queria entender como era feita. Lembro de uma vez, depois de muito empenho, conseguir prender um deles. Morreu, entre meus dedos. E eu fiquei muito sem graça com a frustração: era preferível vê-lo brilhar, vivo, livre, do que tê-lo ali, morto, sem lume, na minha mão.

Quantas luzes a gente colabora para apagar por puro apego, capricho, egoísmo, ignorância? Era uma metáfora de algumas relações humanas, mas com seis, oito anos de idade, eu não sabia. Apenas passei a desconfiar, de longe, que a natureza e as coisas dela tinham mistérios que eu não podia compreender. Nunca mais tentei segurar um vaga-lume depois daquele episódio. E se eu tentar aprisionar qualquer vida, é certo: algo tem que estar bastante adoecido em mim.

Hoje, não encontro mais aquela poesia no meu dia-a-dia, mas tento preservá-la no meu coração. Passo semanas sem olhar, com calma, para a lua e as estrelas. Faz anos que eu não vejo um vaga-lume. Crio pesquisas entre os mais próximos para saber quando viram uma joaninha na vez mais recente. Passo tempos sem ouvir cigarras e, quando consigo ouvi-las, por privilégio, aqueles que não conservam a sua inocência, não entendem porquê eu fico tão contente.

Eu acho que a gente vive uma época que pede resgates urgentes. A simplicidade, a capacidade de encanto e admiração, o olhar receptivo para se alimentar com belezas aparentemente corriqueiras, precisam ser também prioridade. Não há mundo novo sem respeito ao melhor do antigo. A natureza sempre tem uma lição inédita para nos ensinar, sendo a mesma há milênios. Com os vaga-lumes, por exemplo, aprendi o quanto é bom ter liberdade para dizer a nossa luz. Por menor que seja o ponto luminoso, faz diferença...
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Ana Jácomo...

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