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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A gaivota que não queria ser...

Era uma vez uma gaivota que gostava de ser pomba.


Dizia ela que as gaivotas não servem para nada, ao passo

que as pombas sempre servem para alguma coisa.

– Levam cartas, mensagens, avisos de um lado para o

outro – explicava ela às outras gaivotas. – São as pombas

ou os pombos-correios.

– Também há quem as cozinhe com ervilhas –

interrompeu-a uma gaivota trocista.

– Essa serventia a nós não nos interessa – arrepiaram-se

as outras gaivotas, que voaram, alarmadas

Ficou sozinha a gaivota que queria ser pomba. Servir de

cozinhado também não estava nas suas ambições, mas à

falta de outro préstimo… E pensou: "Gaivota estufada",

"Gaivota de cabidela", "Gaivota guisada com batata...

Realmente, não lhe soava bem. E menos bem devia

saber, porque nunca lhe constara que os humanos, de boca

aberta para todos os gostos, tivessem incluído tais receitas

nos seus livros de cozinha.

A gaivota que queria ser pomba ficou a olhar o mar. Ia

abrir as suas asas para as lançar sobre as ondas, à cata de

peixinho para o almoço, quando um estranho torpor lhe

tomou o corpo. Deteve-se. Encolheu-se. Tapou a cabeça

com uma asa. Aquilo havia de passar.

As outras gaivotas, que há pouco tinham debandado,

regressavam à praia, apanhadas pelo mesmo

entorpecimento que atingira a gaivota desta história.

Formaram um bando tiritante, rente ao mar. Umas,

levantadas numa só pata, outras escondidas numa cova da

areia, olhavam as águas esverdinhadas, espumosas, como

turistas descontentes com a paisagem.

– Estão as gaivotas em terra – disse uma voz humana,

abrindo uma janela, junto à praia. – Vai haver tempestade.

Sendo assim, já não me arrisco a ir para o mar.

De facto, quando as gaivotas ficam em terra, os

pescadores sabem que o tempo vai mudar. Elas é que dão

o sinal. Elas é que sabem. Elas é que pressentem quando a

tempestade se aproxima.

– "Afinal sempre tenho alguma utilidade", pensou a

gaivota que queria ser pomba, toda enrolada numa bola de

penas, e, daí em diante, preferiu continuar a ser gaivota.
 
 
António Torrado.

Um comentário:

  1. Eu ví suas fotos, são maravilhosas demais vou voltar lá para vê-las novamente. Bjs...

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