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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012
O motorneiro de Caxangá...
Ida
Na estrada de Caxangá
todo dia passa o sol,
fugindo de seu nascente
porque o chamam arrebol.
A estrada de Caxangá
é sua pista de aviador;
é a pista que o sol percorre
antes de levantar vôo.
A pista de Caxangá
o próprio sol a traçou,
na substância verde e branda
dos engenhos de redor.
Volta
Mas a estrada não pertence
só ao sol aviador.
É também porto de mar
do Sertão do interior.
Possui hotéis para burros,
hospitais para motor,
cemitérios para bondes,
fábricas para o suor.
Mais tudo o que deve haver
num bom porto de vapor:
armazéns, contrabandistas,
fortalezas, guarda-mor.
Ida
Na estrada de Caxangá
tudo passa ou já passou:
o presente e o passado
e o passado anterior;
os engenhos de outros tempos,
de que só nome ficou;
os sítios de casas mansas,
que agonizam sem rancor;
os quintais de sombra doce
com frutas do mesmo teor,
onde hoje carrocerias
aguardam seus urubus.
Volta
Mas na estrada de Caxangá
nada de vez já passou:
o verde das canas sobra
nos campos de futebol
e ainda nas oficinas
poças do antigo frescor
dos quintais sobram nas úmidas
manchas de óleo de motor:
que a estrada é também a cauda
por onde, ainda em vigor,
o Recife arrasta as coisas
que do centro eliminou.
Ida
Na estrada de Caxangá,
depois que a inaugura o sol,
pares os mais estranhos
todo o dia passam por;
pares como o da raposa
casada com o rouxinol
ou o dos bondes circulando
por entre carros de boi;
caminhões entre galinhas
calam ferralha e furor
e sempre se vê um vaqueiro
olhando um taco de golf.
Volta
Mas na estrada de Caxangá
nem tudo tem tal teor;
por ela passa também
uma gente mais sem cor:
retirantes (sempre a pé)
tirados de todo suor;
imigrantes (de automóvel)
suando, porém de calor;
namorados que passeiam
amadurecendo o amor;
gente que não a passeia,
passa-a, simples corredor,
Ida
A estrada de Caxangá
é também trilhos do sol
(que nem sempre tem o sol)
urgências de aviador):
de cada lado dos quais
um trem de taipa parou,
um trem de casas que lembram
vagões, sem tirar nem pôr;
um trem de casas-vagões
cada um com sua cor
e levando nas janelas
latas por jarros de flor.
Volta
Mas o trem de casas-vagões
passa ou é passado por?
como poder distinguir
do passado o passador?
se na estrada tudo passa
e nada de vez passou?
como saber se é a gente
ou as casas-trem o andador?
ou quem sabe? a própria estrada
rolando com um propulsor?
(pois dela sobe incessante
e subterrâneo rumor)...
.
.
.
João Cabral de Melo Neto...
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