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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Vozes d'África...


Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?

Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes

Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,

Que embalde desde então corre o infinito...

Onde estás, Senhor Deus?...


Qual Prometeu tu me amarraste um dia

Do deserto na rubra penedia

- Infinito: galé! ...

Por abutre - me deste o sol candente,

E a terra de Suez - foi a corrente

Que me ligaste ao pé...


O cavalo estafado do Beduíno

Sob a vergasta tomba ressupino

E morre no areal.

Minha garupa sangra, a dor poreja,

Quando o chicote do simoun dardeja

O teu braço eternal.


Minhas irmãs são belas, são ditosas...

Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas

Dos haréns do Sultão.

Ou no dorso dos brancos elefantes

Embala-se coberta de brilhantes

Nas plagas do Hindustão.


Por tenda tem os cimos do Himalaia...

Ganges amoroso beija a praia

Coberta de corais ...

A brisa de Misora o céu inflama;

E ela dorme nos templos do Deus Brama,

- Pagodes colossais...


A Europa é sempre Europa, a gloriosa! ...

A mulher deslumbrante e caprichosa,

Rainha e cortesã.

Artista - corta o mármor de Carrara;

Poetisa - tange os hinos de Ferrara,

No glorioso afã! ...


Sempre a láurea lhe cabe no litígio...

Ora uma c'roa, ora o barrete frígio

Enflora-lhe a cerviz.

Universo após ela - doudo amante

Segue cativo o passo delirante

Da grande meretriz.


Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada

Em meio das areias esgarrada,

Perdida marcho em vão!

Se choro... bebe o pranto a areia ardente;

talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!

Não descubras no chão...


E nem tenho uma sombra de floresta...

Para cobrir-me nem um templo resta

No solo abrasador...

Quando subo às Pirâmides do Egito

Embalde aos quatro céus chorando grito:

"Abriga-me, Senhor!..."


Como o profeta em cinza a fronte envolve,

Velo a cabeça no areal que volve

O siroco feroz...

Quando eu passo no Saara amortalhada...

Ai! dizem: "Lá vai África embuçada

No seu branco albornoz. . . "


Nem vêem que o deserto é meu sudário,

Que o silêncio campeia solitário

Por sobre o peito meu.

Lá no solo onde o cardo apenas medra

Boceja a Esfinge colossal de pedra

Fitando o morno céu.


De Tebas nas colunas derrocadas

As cegonhas espiam debruçadas

O horizonte sem fim ...

Onde branqueia a caravana errante,

E o camelo monótono, arquejante

Que desce de Efraim


Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!

É, pois, teu peito eterno, inexaurível

De vingança e rancor?...

E que é que fiz, Senhor? que torvo crime

Eu cometi jamais que assim me oprime

Teu gládio vingador?!


Foi depois do dilúvio... um viadante,

Negro, sombrio, pálido, arquejante,

Descia do Arará...

E eu disse ao peregrino fulminado:

"Cão! ... serás meu esposo bem-amado...

- Serei tua Eloá. . . "


Desde este dia o vento da desgraça

Por meus cabelos ululando passa

O anátema cruel.

As tribos erram do areal nas vagas,

E o Nômada faminto corta as plagas

No rápido corcel.


Vi a ciência desertar do Egito...

Vi meu povo seguir - Judeu maldito -

Trilho de perdição.

Depois vi minha prole desgraçada

Pelas garras d'Europa - arrebatada -

Amestrado falcão! ...


Cristo! embalde morreste sobre um monte

Teu sangue não lavou de minha fronte

A mancha original.

Ainda hoje são, por fado adverso,

Meus filhos - alimária do universo,

Eu - pasto universal...


Hoje em meu sangue a América se nutre

Condor que transformara-se em abutre,

Ave da escravidão,

Ela juntou-se às mais... irmã traidora

Qual de José os vis irmãos outrora

Venderam seu irmão.


Basta, Senhor! De teu potente braço

Role através dos astros e do espaço

Perdão p'ra os crimes meus!

Há dois mil anos eu soluço um grito...

escuta o brado meu lá no infinito,

Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...
.
.
.
Castro Alves...

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