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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

No princípio do amor...


No princípio do amor, outro amor que nos precede

adivinha no espaço o nosso gesto.

No princípio do amor, o fim do amor.

Folhagens irisadas pela chuva,

varandas traspassadas de luz, poentes de ametista,

palmeiras estruturadas para um tempo além de nosso tempo,

pássaros

fatídicos na tarde assassinada, ofuscação deliciosa

no lago - no princípio do amor

já é amor. E pode ser setembro

com o sol estampado na bruma fulva. Monótona

é a praça com o clarim sangüíneo do meio-dia.


No princípio do amor, o humano se esconde,

bloqueado na terra das canções, astro acuado

em galáxias que se destroçam. E tudo

é nada: nasce a flor e morre o medo

que mascara a nossa face. Navios

pegam fogo defronte da cidade obtusa,

precedida de um tempo que não é o nosso tempo.

No princípio do amor, sem nome ainda, o amor

busca os lábios da magnólia, o coração violáceo

da hortênsia, a virgindade da relva.

É, foi, será princípio de amor. A mulher

abre a janela do parque enevoado, globos irreais,

umidade, doçura,

enquanto o homem - criatura ossuda, estranha -

ri no fundo de torrentes profundas

e deixa de ir subitamente, fitando nada.

Isto se passa em salas nuas,

em submersas paisagens viúvas, argélias

tórridas, fiords friíssimos, desfiladeiros

escalvados, parapeitos de promontórios

suicidas, vilarejos corroídos de ferrugem,

cidades laminadas, trens subterrâneos,

apartamentos de veludo e marfim, províncias

procuradas pela peste, cordilheiras tempestuosas,

planícies mordidas pela monotonia do chumbo, babilônias

em pó, brasílias

de vidro, aviões infelizes em um céu

de rosas arrancadas, submarinos ressentidos

em sua desolação redundante, nas altas torres

do mundo isto se passa; e isto existe

dentro de criaturas inermes, anestesiadas

em anfiteatros cirúrgicos, ancoradas em angras

dementes, pulsando através de alvéolos artificiais,

criaturas agonizando em neblina parda,

parindo mágoa, morte, amor.

E isto se passa como um cavalo em pânico.

E isto se passa até no coração opulento

de mulheres gordas,

de criaturas meio comidas pelo saibro,

no coração de criaturas confrangidas entre o rochedo

e o musgo, no coração de

Heloísa, Diana, Maria,

Pedra, mulher de Pedro,

Consuelo, Marlene, Beatriz.


Olhar - anel primeiro do planeta Saturno.

Olhar, aprender, desviver.

Além da janela só é visível a escuridão.

Olhar - galgo prematuro da alvorada.

No princípio do amor, olhar

a escuridão; depois, os galgos prematuros da alvorada.

No princípio do amor, morte de amor antes da morte.

Amor. A morte. Amar-te a morte.

Sexos que se contemplam perturbados. No princípio do amor

o infinito se encontra.


No princípio do amor a criatura se veste

de cores mais vivas, blusas

preciosas, íntimas peças escarlates,

linhos sutis, sedas nupciais, transparências plásticas,

véus do azul deserto, pistilos de opalina,

corolas de nylon, gineceus rendados,

estames de prata, pecíolos de ouro, flor,

é flor,

é flor que se contempla contemplada.

Isto se passa de janeiro a dezembro

como os navios iluminados.


No princípio do amor

o corpo da mulher é fruto sumarento,

como a polpa do figo, fruto,

fruto em sua nudez sumarenta, essencial, pois

tudo no mundo é uma nudez expectante

como o corpo da mulher no princípio do amor.


Fruto na sombra: mas é noite.

Noite por dentro e por fora do fruto.

Nas laranjas de ouro.

Nos seios crespos de Eliana

Nas vinhas que se embriagam de esperar.

Ramagens despenteadas, recôncavos expectantes,

cinzeladas umbelas, estigmas altivos,

é noite,

é flor, é fruto.


Mas nos seios dourados de Eliana

amanheceu...
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Paulo Mendes Campos...

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