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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Não-coisa...


O que o poeta quer dizer


No discurso não cabe

e se o diz é pra saber

o que ainda não sabe.


Uma fruta uma flor

um odor que relume...

como dizer o sabor,

seu clarão seu perfume?


Como enfim traduzir

na lógica do ouvido

o que na coisa é coisa

e que não tem sentido?


A linguagem dispõe

de conceitos, de nomes

mas o gosto da fruta

só o sabes se a comes.

só o sabes no corpo

o sabor que assimilas

e que na boca é festa

de saliva e papilas

invadindo-te inteiro

tal dum mar o marulho

e que a fala submerge

e reduz a um barulho,

um tumulto de vozes,

de gozos, de espasmos,

vertiginoso e pleno

como são os orgasmos


No entanto, o poeta

desafia o impossível

e tenta no poema

dizer o indizível:

subverte a sintaxe

implode a fala, ousa

incutir na linguagem

densidade de coisa

sem permitir, porém,

que perca a transparência

já que a coisa é fechada

à humana consciência.


O que o poeta faz

mais do que mencioná-la

é torna-la aparência

pura – e iluminá-la.


Toda coisa tem peso

uma noite em seu centro.


O poema é uma coisa

que não tem nada dentro,

a não ser o ressoar

de uma imprecisa voz

que não quer se apagar

- essa voz somos nós...
.
.
.
Ferreira Gullar...

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