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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A poesia...


Onde está

a poesia? Indaga-se

por toda parte. E a poesia

vai à esquina comprar jornal.



Cientistas esquartejam Púchkin e Baudelaire.

Exegetas desmontam a máquina da linguagem.

A poesia ri.



Baixa-se uma portaria: é proibido

misturar o poema com Ipanema.

O poeta depõe no inquérito:

Meu poema é puro, flor

sem haste, juro!

Não tem passado nem futuro.

Não sabe a fel nem sabe a mel:

é de papel.

Não é como a açucena

que efêmera

passa.

E não está sujeito a traça

pois tem a proteção do inseticida.

Creia,

o meu poema está infenso à vida.



Claro, a vida é suja, a vida é dura.

E sobretudo insegura:

“Suspeito de atividades subversivas foi detido ontem

o poeta Casimiro de Abreu.”

“A Fábrica de Fiação Camboa abriu falência e deixou

sem emprego uma centena de operários.”

“A adúltera Rosa Gonçalves, depondo na 3ª Vara de Família,

afirmou descaradamente: ‘Traí ele, sim. O amor acaba, seu juiz.’”



O anel que tu me deste

era vidro e se quebrou

o amor que tu me tinhas

era pouco e se acabou



Era pouco? era muito?

Era uma fome azul e navalha

uma vertigem de cabelos e dentes

cheiros que transpassam o metal

e me impedem de viver ainda

Era pouco? Era louco,

um mergulho

no fundo de tua seda aberta em flor embaixo

onde eu morria



Branca e verde

branca e verde

branca branca branca branca

E agora

recostada no divã da sala

depois de tudo

a poesia ri de mim



Ih, é preciso arrumar a casa

que André vai chegar

É preciso preparar o jantar

É preciso ir buscar o menino no colégio

lavar a roupa limpar a vidraça

O amor

(era muito? era pouco?

era calmo? era louco?)

passa

A infância

passa

a ambulância

passa

Só não passa, Ingrácia,

A tua grácia!

E pensar que nunca mais a terei

real e efêmera (na penumbra da tarde)

como a primavera.

E pensar

que ela também vai se juntar

ao esqueleto das noites estreladas

e dos perfumes

que dentro de mim gravitam

feito pó

(e um dia, claro,

ao acender um cigarro

talvez se deflagre com o fogo do fósforo

seu sorriso

entre meus dedos. E só).

Poesia – deter a vida com palavras?

Não – libertá-la,

fazê-la voz e fogo em nossa voz. Po-

esia – falar

o dia

acendê-lo do pó

abri-lo

como carne em cada sílaba, de-

flagrá-lo

como bala em cada não

como arma em cada mão



E súbito da calçada sobe

e explode

junto ao meu rosto o pás-

saro? O pás-

?

Como chamá-lo? Pombo? Bomba? Prombo? Como?

Ele

bicava o chão há pouco

era um pombo mas

súbito explode

em ajas brulhos zules bulha zalas

e foge!

como chamá-lo? Pombo? Não:

poesia

paixão

revolução...
.
.
.
Ferreira Gullar...

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