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domingo, 15 de julho de 2012

Quatro sonetos de meditação...




I


Mas o instante passou. A carne nova

Sente a primeira fibra enrijecer

E o seu sonho infinito de morrer

Passa a caber no berço de uma cova.


Outra carne vírá. A primavera

É carne, o amor é seiva eterna e forte

Quando o ser que viver unir-se à morte

No mundo uma criança nascerá.


Importará jamais por quê? Adiante

O poema é translúcido, e distante

A palavra que vem do pensamento


Sem saudade. Não ter contentamento.

Ser simples como o grão de poesia.

E íntimo como a melancolia.

II


Uma mulher me ama. Se eu me fosse

Talvez ela sentisse o desalento

Da árvore jovem que não ouve o vento

Inconstante e fiel, tardio e doce.


Na sua tarde em flor. Uma mulher

Me ama como a chama ama o silêncio

E o seu amor vitorioso vence

O desejo da morte que me quer.


Uma mulher me ama. Quando o escuro

Do crepúsculo mórbido e maduro

Me leva a face ao gênio dos espelhos


E eu, moço, busco em vão meus olhos velhos

Vindos de ver a morte em mim divina:

Uma mulher me ama e me ilumina.

III


O efêmero. Ora, um pássaro no vale

Cantou por um momento, outrora, mas

O vale escuta ainda envolto em paz

Para que a voz do pássaro não cale.


E uma fonte futura, hoje primária

No seio da montanha, irromperá

Fatal, da pedra ardente, e levará

À voz a melodia necessária.


O efêmero. E mais tarde, quando antigas

Se fizerem as flores, e as cantigas

A uma nova emoção morrerem, cedo


Quem conhecer o vale e o seu segredo

Nem sequer pensará na fonte, a sós...

Porém o vale há de escutar a voz.

IV


Apavorado acordo, em treva. O luar

É como o espectro do meu sonho em mim

E sem destino, e louco, sou o mar

Patético, sonâmbulo e sem fim.


Desço na noite, envolto em sono; e os braços

Como ímãs, atraio o firmamento

Enquanto os bruxos, velhos e devassos

Assoviam de mim na voz do vento.


Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe

Sem dimensão e sem razão me leva

Para o silêncio onde o Silêncio dorme


Enorme. E como o mar dentro da treva

Num constante arremesso largo e aflito

Eu me espedaço em vão contra o infinito...
.
.
.
Vinicius de Moraes...

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