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quarta-feira, 18 de julho de 2012

Ode ao mar...


Água, sal e vontade — a vida!

Azul — a cor do céu e da inocência.

Um lenço a colorir a despedida

Da galera da ausência...


Mar tenebroso!

Mar fechado e rugoso

Sobre um casto jardim adormecido!

Mar de medusas que ninguém semeia,

Criadas com mistério e com areia,

Perfeitas de beleza e de sentido!


Vem a sede da terra e não se acalma!

Vem a força do mundo e não te doma!

Impenitente e funda, a tua alma

Guarda-se no cristal duma redoma.


Guarda-se purificada em leve espuma,

Renda da sua túnica de linho.

Guarda-se aberta em sol, sagrada em bruma,

Sem amor, sem ternura e sem caminho.


O navio do sonho foi ao fundo,

E o capitão, despido, jaz ao leme,

Branco nos ossos descarnados;

Uma alga no peito, a flor do mundo,

Uma fibra de amor que vive e treme

De ouvir segredos vãos, petrificados.


Uma ilusão enfuna e enxuga a vela,

Uma desilusão a rasga e molha;

Morta a magia que pintava a tela,

O mesmo olhar de há pouco já não olha.


Na órbita vazia um cego ouriço

Pica o silêncio leve que perpassa...

Pica o novo feitiço

Que nasce do final de uma desgraça.


Mas nem corais, nem polvos, nem quimeras

Sobem à tona das marés...

O navio encalhado e as suas eras

Lá permanecem a milhentos pés.


Soterrados em verde, negro e vago,

Nenhum sol os aquece.

Habitantes do lago

Do esquecimento, só a sombra os tece...


Ela és tu, anónimo oceano,

Coração ciumento e namorado!

Ela que és tu, arfar viril e plano,

Largo como um abraço descuidado!


Tu, mar fechado, aberto e descoberto

Com bússolas e gritos de gajeiro!

Tu, mar salgado, lírico, coberto

De lágrimas, iodo e nevoeiro!...
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Miguel Torga...

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