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domingo, 1 de julho de 2012

O jardim e a noite...


Atravessei o jardim solitário e sem lua,

Correndo ao vento pelos caminhos fora,

Para tentar como outrora

Unir a minha alma à tua,

Ó grande noite solitária e sonhadora.


Entre os canteiros cercados de buxo,

Sorri à sombra tremendo de medo.

De joelhos na terra abri o repuxo,

E os meus gestos dessa encantação,

Que devia acordar do seu inquieto sono

A terra negra canteiros

E os meus sonhos sepultados

Vivos e inteiros.


Mas sob o peso dos narcisos floridos

Calou-se a terra,

E sob o peso dos frutos ressequidos

Do presente,

Calaram-se os meus sonhos perdidos.


Entre os canteiros cercados de buxo,

Enquanto subia e caía a água do repuxo,

Murmurei as palavras em que outrora

Para mim sempre existia

O gesto dum impulso.


Palavras que eu despi da sua literatura,

Para lhes dar a sua forma primitiva e pura,

De fórmulas de magia.


Docemente a sonhar entra a folhagem

A noite solitária e pura

Continuou distante e inatingível

Sem me deixar penetrar no seu segredo

E eu senti quebrar-se, cair desfeita,

A minha ânsia carregada de impossível,

Contra a sua harmonia perfeita.


Tomei nas minhas mãos a sombra escura

E embalei o silêncio nos meus ombros.

Tudo em minha volta estava vivo

Mas nada pôde acordar dos seus escombros

O meu grande êxtase perdido.


Só o vento passou e quente

E à sua volta todo o jardim cantou

E a água do tanque tremendo

Se maravilhou

Em círculos, longamente...
.
.
.
Sophia de Mello Breyner...

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