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terça-feira, 10 de julho de 2012

Lembrança de morrer...



Quando em meu peito rebentar-se a fibra

Que o espírito enlaça à dor vivente,

Não derramem por mim nem uma lágrima

Em pálpebra demente.


E nem desfolhem na matéria impura

A flor do vale que adormece ao vento:

Não quero que uma nota de alegria

Se cale por meu triste passamento.


Eu deixo a vida como deixa o tédio

Do deserto, o poento caminheiro

— Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro;


Como o desterro de minh'alma errante,

Onde fogo insensato a consumia:

Só levo uma saudade — é desses tempos

Que amorosa ilusão embelecia.


Só levo uma saudade — é dessas sombras

Que eu sentia velar nas noites minhas...

De ti, ó minha mãe, pobre coitada

Que por minha tristeza te definhas!


De meu pai... de meus únicos amigos,

Poucos — bem poucos — e que não zombavam

Quando, em noite de febre endoudecido,

Minhas pálidas crenças duvidavam.


Se uma lágrima as pálpebras me inunda,

Se um suspiro nos seios treme ainda

É pela virgem que sonhei... que nunca

Aos lábios me encostou a face linda!


Só tu à mocidade sonhadora

Do pálido poeta deste flores...

Se viveu, foi por ti! e de esperança

De na vida gozar de teus amores.


Beijarei a verdade santa e nua,

Verei cristalizar-se o sonho amigo....

Ó minha virgem dos errantes sonhos,

Filha do céu, eu vou amar contigo!


Descansem o meu leito solitário

Na floresta dos homens esquecida,

À sombra de uma cruz, e escrevam nelas

— Foi poeta — sonhou — e amou na vida.—


Sombras do vale, noites da montanha

Que minh'alma cantou e amava tanto,

Protegei o meu corpo abandonado,

E no silêncio derramai-lhe canto!


Mas quando preludia ave d'aurora

E quando à meia-noite o céu repousa,

Arvoredos do bosque, abri os ramos...

Deixai a lua prantear-me a lousa!...
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Álvares de Azevedo...

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