Pesquisar este blog

Meus Vídeos...

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Falta um disco...


Amor,

estou triste porque

sou o único brasileiro vivo

que nunca viu um disco voador.

Na minha rua todos viram

e falaram com seus tripulantes

na língua misturada de carioca

e de sinais verdes luminescentes

que qualquer um entende, pois não?

Entraram a bordo (convidados)

voaram por aí

por ali, por além

sem necessidade de passaporte

e certidão negativa de IR,

sem dólares, amor, sem dólares.

Voltaram cheios de notícias

e de superioridade.

Olham-me com desprezo benévolo.

Sou o pária,

aquele que vê apenas caminhão

cartaz de cinema, buraco na rua

& outras evidências pedestres.

Um amigo que eu tenho

todas as semanas vai ver o seu disco

na praia de Itaipu.

Este não diz nada para mim,

de boca, mas o jeito,

os olhos! contam de prodígios

tornados simples de tão semanais

apenas secretos para quem não é

capaz de ouvir e de entender um disco.

Por que a mim, somente a mim

recusa-se o OVNI?

Talvez para que a sigla

de todo não se perca, pois enfim

nada existe de mais identificado

do que um disco voador hoje presente

em São Paulo, Bahia

Barra da Tijuca e Barra Mansa.

(Os pastores desta aldeia

já me fazem zombaria

pois procuro, em vão procuro

noite e dia

o zumbido, a forma, a cor

de um só disco voador.)

Bem sei que em toda parte

eles circulam: nas praias

no infinito céu hoje finito

até no sítio de um outro amigo em Teresópolis.

Bem sei e sofro

com a falta de confiança neste poeta

que muita coisa viu extraterrena

em sonhos e acordado

viu sereias, dragões

o Príncipe das Trevas

a aurora boreal encarnada em mulher

os sete arcanjos de Congonhas da Luz

e doces almas do outro mundo em procissão.

Mas o disco, o disco?

Ele me foge e ri

de minha busca.


Um passou bem perto (contam)

quase a me roçar. Não viu? Não vi.

Dele desceu (parece)

um sujeitinho furta-cor gentil

puxou-me pelo braço: Vamos (ou: plnx),

talvez...?

Isso me garantem meus vizinhos

e eu, chamado não chamado

insensível e cego sem ouvidos

deixei passar a minha vez.

Amor, estou tristinho, estou tristonho

por ser o só

que nunca viu um disco voador

hoje comum na Rua do Ouvidor...
.
.
.
Carlos Drummond de Andrade...

Nenhum comentário:

Postar um comentário