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quarta-feira, 18 de julho de 2012

Consideração do poema...


Não rimarei a palavra sono

com a incorrespondente palavra outono.

Rimarei com a palavra carne

ou qualquer outra, que todas me convêm.

As palavras não nascem amarradas,

elas saltam, se beijam, se dissolvem,

no céu livre por vezes um desenho,

são puras, largas, autênticas, indevassáveis.


Uma pedra no meio do caminho

ou apenas um rastro, não importa.

Estes poetas são meus. De todo o orgulho,

de toda a precisão se incorporam

ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius

sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.

Que Neruda me dê sua gravata

chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.

São todos meus irmãos, não são jornais

nem deslizar de lancha entre camélias:

é toda a minha vida que joguei.


Estes poemas são meus. É minha terra

e é ainda mais do que ela. É qualquer homem

ao meio-dia em qualquer praça. É a lanterna

em qualquer estalagem, se ainda as há.

– Há mortos? há mercados? há doenças?

É tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras,

por que falsa mesquinhez me rasgaria?

Que se depositem os beijos na face branca, nas principiantes rugas.

O beijo ainda é um sinal, perdido embora,

da ausência de comércio,

boiando em tempos sujos.


Poeta do finito e da matéria,

cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas,

boca tão seca, mas ardor tão casto.

Dar tudo pela presença dos longínquos,

sentir que há ecos, poucos, mas cristal,

não rocha apenas, peixes circulando

sob o navio que leva esta mensagem,

e aves de bico longo conferindo

sua derrota, e dois ou três faróis,

últimos! esperança do mar negro.

Essa viagem é mortal, e começa-la.

Saber que há tudo. E mover-se em meio

a milhões e milhões de formas raras,

secretas, duras. Eis aí meu canto.


Ele é tão baixo que sequer o escuta

ouvido rente ao chão. Mas é tão alto

que as pedras o absorvem. Está na mesa

aberta em livros, cartas e remédios.

Na parede infiltrou-se. O bonde, a rua,

o uniforme de colégio se transformam,

são ondas de carinho te envolvendo.


Como fugir ao mínimo objeto

ou recusar-se ao grande? Os temas passam,

eu sei que passarão, mas tu resistes,

e cresces como fogo, como casa,

como orvalho entre dedos,

na grama, que repousam.


Já agora te sigo a toda parte,

e te desejo e te perco, estou completo,

me destino, me faço tão sublime,

tão natural e cheio de segredos,

tão firme, tão fiel... Tal uma lâmina,

o povo, meu poema, te atravessa...
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Carlos Drummond de Andrade...

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